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paradoxos ampliado (introdução de para gostar de filosofia ampliado com novos paradoxos)

PARA GOSTAR DE
FILOSOFIA:

OS PARADOXOS

de Parmênides e Zenão

Luiz Gonzaga Teixeira

IBRASA – Instituição Brasileira de Difusão Cultural Ltda. São Paulo – SP
ÍNDICE

I – Parmênides …………………………………………. 9

II – Zenão: Aquiles e a tartaruga ………………. 51

III – Zenão: a flecha ………………………………… 61

APÊNDICE

I – O pensamento de Parmênides no seu tempo……………………………. 160

II – Parmênides na minha tese de doutorado ……………………………….. 167

III – O que é topologia……………………………………………………………….171

IV – Os outros dois paradoxos de Zenão: do Estádio e a Dicotomia ….176

V – Fragmentos de Parmênides e Zenão …………………………………… 177

Introdução:

9
1 – O que são (e o que não são) paradoxos

Vamos, nesta introdução, falar dos paradoxos em geral. O motivo principal é afirmar que, embora uma pessoa, como eu, o autor, tenha me convertido à filosofia por um paradoxo, o de Zenão, de Aquiles e a tartaruga, a filosofia é algo muito diferente do que se dedicar a pequenos quebra- cabeças e perguntinhas capciosas. O paradoxo de que vamos nos ocupar depois, a filosofia de Parmênides, no livro propriamente dito, apesar desta forma, de se parecer um pouco com estas brincadeiras, contudo, não é só o maior dos paradoxos, mas é filosofia de verdade.

Epimênides e Eubúlides estariam entre os primeiros inventores de paradoxos. Epimênides¸ no século VI a. C., na Grécia, teria dito: “Todos os cretenses são mentirosos”, com o detalhe de que ele era cretense. Evidentemente, se todos os cretenses são mentirosos, e ele era cretense, ele poderia estar naquele momento dizendo uma mentira, e então os cretenses não seriam todos mentirosos, apenas ele, e talvez apenas naquela exata afirmação. Ou, então, esta frase talvez pudesse ser exposta assim: todos os cretenses são mentirosos, só que mesmo eu, cretense, às vezes digo uma verdade, como esta que estou dizendo agora. Talvez por isso, no século IV a. C. Eubúlides fez um aperfeiçoamento: “Isto que eu estou dizendo agora é uma mentira”.
Há paradoxos mais elaborados, feitos por matemáticos. O leitor curioso pode encontrar os paradoxos de Galileu, São Petersburgo, de Grellings (este é o meu preferido, não o exponho aqui porque me parece um pouco complicado para o formato do presente texto), de Richard, de Cantor. Os paradoxos do infinito, por exemplo, podem ser representados por uma história pitoresca, o hotel de Hilbert: um hotel com infinitos quartos, e que tem na porta infinitos hóspedes querendo um quarto. Como são infinitos quartos, sempre vai sobrar algum, mas como são infinitos hóspedes, sempre vai faltar um quarto.
Sempre gostei do paradoxo: “Se Deus de fato for todo-poderoso deve ser capaz de criar um problema tão grande que ele mesmo não possa resolver”.
Bertrand Russell propôs dois paradoxos, um difícil, que vamos deixar de lado, e o outro, típico e conhecido. Em um vilarejo um barbeiro teria se disposto a cortar o cabelo de todas as pessoas, no entanto se negava
firmemente a cortar o cabelo das pessoas capazes de cortar o próprio cabelo. O paradoxo surge quando sua proposta se aplica a ele mesmo, ao próprio barbeiro: ele era o único barbeiro, mas se ele cortasse o próprio cabelo,
10 estaria descumprindo seu propósito de só cortar o cabelo daqueles que não
pudessem cortar o próprio cabelo. Este paradoxo é tão popular que eu já o tinha ouvido – a ponto de ter ficado surpreso quando me reencontrei com ele em um livro – em uma versão um pouco diferente. Um capitão achou que os soldados do seu batalhão estavam com os cabelos muito longos. Então perguntou se algum dos soldados era barbeiro, e lhe pediu que cortasse o cabelo de todos. “Tudo bem”, ele teria dito. “Mas vou cortar apenas o cabelo daqueles que não sabem cortar o próprio cabelo”.

Em princípio, os paradoxos nada mais são do que brinquedos: brincadeiras lógicas, inocentes e inconsequentes. E é desta forma que devem ser encarados, para que funcionem como um espaço de experimentação e capricho.
Qualquer pessoa pode se dedicar a colecionar paradoxos.
Eu não conheço um texto que tenha se proposto a fazer um levantamento sistemático de todos os paradoxos conhecidos. Mas, pelo título, alguns livros se propuseram a tarefa semelhante. Talvez não tenha procurado sistematicamente, mas na Internet e nos livros que utilizei não havia muita coisa. Os que estão mais próximos disto, como os de Quine e Ryle, por exemplo, na verdade se dedicam pouco à exposição e muito mais a uma análise, que, no entanto, não se propõe a ser muito detida. Seria muito interessante. Alguns paradoxos são bastante populares. O número é muito grande.
Um estudo que fizesse uma classificação rigorosa, com fronteiras claras, seria muito útil: oxímoros, contradições, antinomias, falsídicos, loopholes (Quine, p. 5), falácias, tautologias, jogos lógicos, quebra-cabeças lógicos, pegadinhas matemáticas e de linguagem… O artigo de Quine, The ways of paradox, se dedica a conceituar e estabelecer algumas fronteiras na grande família dos paradoxos, mas nós não vamos seguir suas sugestões. Para nós, sem penetrar pelas dificuldades do problema, paradoxo é apenas uma história aparentemente sem solução, ou uma história que abre uma discussão sobre a impossibilidade de uma solução. Se não houver de fato a possibilidade de um problema sem saída, uma discussão com bons advogados de ambos os lados, não há paradoxo.
O livro de Hayden e Picard, This book does not exist, discute a definição de paradoxo. Ali podemos encontrar muitos paradoxos, e embora quase todos sejam conhecidos, é muito válido o esforço destes autores, principalmente
no sentido da popularização. Mas, na minha opinião, eles cometem alguns erros. Por exemplo. Eles se desculpam por incluir dois conhecidos problemas
de matemática, que apresentamos poucas páginas adiante: os dois problemas 11
da moeda que falta, quer dizer, em que no fim aparentemente sumiu uma
moeda; um deles é a história dos três viajantes e o outro é o da menina que vende maçãs. Ora, de fato, nenhum dos dois são paradoxos legítimos, plenos, são falácias. Mas pedir desculpas não faz sentido, porque os dois casos, principalmente o da menina com as maçãs, põem advogados de ambos os lados, e não podem ser resolvidos de imediato. Assim, são problemas que têm lugar legítimo em um espaço dedicado aos paradoxos. Além disso, neste livro estes autores apresentam, agora sem se desculpar, diversos problemas, alguns dos quais são e outros não são paradoxos, nem levantam a suspeita de serem. Vejam um exemplo. Uma pessoa fica em um quarto com os olhos vendados, uma sala em que o chão está numerado de 1 a 9, três filas de três da esquerda para a direita e de cima para baixo. Esta pessoa deve se movimentar duas vezes, para um lado, acima, abaixo, esquerda ou direita, e descobrir em qual posição se encontra, de 1 a 9. Ora, este é um problema matemático, nem se pode dizer que seja candidato a paradoxo. Mas o seguinte é um paradoxo legítimo. Platão guarda uma ponte por onde Sócrates pretende passar, e lhe diz: “Se me disser algo verdadeiro eu o deixo passar, mas se disser algo falso, eu o jogo debaixo da ponte”. Sócrates diz: “Você vai me jogar debaixo da ponte”. E Platão não sabe o que deve fazer, fica em uma situação paradoxal, porque, se joga Sócrates debaixo da ponte, isto significa que o que ele disse é verdadeiro.

Aqui se abre um espaço para um tipo peculiar de paradoxo, para os quais vamos sugerir, desde já, o nome de insignificante, ou, mais precisamente, paradoxos do insignificante. É difícil afirmar que são paradoxos contra os que afirmarem que são, na verdade, apenas contradições do insignificante. Pode-se sustentar que estes paradoxos não são mais do que tautologias (afirmação que é verdadeira em si mesma, não dependendo de confirmação do lado de fora, e que, portanto, não pode ser falsa em hipótese alguma) do que propriamente paradoxos. São paradoxos ou contradições apenas em um significado particular: são discursos que não dizem coisa alguma, ao contrário do que se espera de um discurso.
O caso mais simples, e portanto ontológico, parece ser a própria palavra “insignificante”. Nos inícios do cristianismo, a acusação mais terrível que se podia fazer a qualquer pessoa talvez fosse “desgraçado”, ou seja, aquele que não tem a graça de Deus, aquele para quem Deus virou as costas. Hoje, em uma época estruturada sobre a linguística, mais terrível é ser insignificante. Não se deve confundir a palavra insignificante com aquilo que ela denomina, o objeto insignificante. A palavra insignificante significa, de fato, alguma coisa, em princípio. Todos sabem da importância da invenção do número zero na matemática. O zero não é um número que não significacoisa alguma, ele é um número que significa algo: coisa alguma. No caso do insignificante isso é um pouco mais complicado, porque esta palavra designa algo que talvez não exista, que talvez seja um paradoxo, um objeto que não significa nada. No entanto, por fora, o insignificante é suspeito de carregar o significado mais determinante. A dúvida e o erro, os pobres, aqueles que não têm voz têm a pretensão de ser o lugar, pelas beiradas, onde se pode encontrar o significado do nosso tempo.
A sabedoria popular nos faz suspeitar de que todas as plantas e todos os fluidos ou pós que se possa extrair da natureza ou de nossa capacidade inventiva servem para algum fim medicinal, para pelo menos um fim, embora geralmente para muitos fins. Mas em toda sabedoria há uma exceção, o sassafrás, que se não faz bem, mal também não faz. Aqui a sabedoria medicinal se curva diante dos interesses pela rima.
Há uma categoria de curiosidades que têm uma semelhança, embora discutível, com os paradoxos do insignificante, são os paradoxos do vazio. João Guimarães Rosa, no prefácio do livro Tutameia, apresenta uma categoria destas curiosidades lógicas, sem nome consagrado, cujo centro é o conceito de vazio. Vazio que é sinônimo bastante imperfeito de tutameia. Não só o prefácio deste livro gira em torno do vazio, mas todo o livro apresenta as suas diversas facetas, inclusive o fato de a linguagem deste livro ser incompreensível parece ser um elemento importante para colocar a ideia de um discurso que se refere ao vazio. O conto Hipotrélico traz a discussão para a linguística, quando apresenta este vocábulo suspeito – e é importante que seja suspeito e que se levante uma pesquisa – de não se referir a coisa alguma. Ai de quem não aceita sem discussão e se insurge contra a existência de uma palavra sem significado, esta pessoa também não passa de um hipotrélico. O próprio leitor fica temeroso de merecer esse terrível adjetivo. Entre os casos ou piadas deste prefácio vamos citar apenas uma. Alguém entra em um bonde vazio e fica exatamente debaixo da única goteira. O condutor lhe pergunta por que não troca de lugar. Ele pergunta: “Trocar com quem?” Contenho a tentação de reescrever outros casos aqui; em vez disso prefiro aconselhar ao leitor que confira pessoalmente.
Desta categoria também é a conhecida canção infantil de Vinícius de Moraes sobre uma casa sem paredes, teto, telhado, cujo endereço é a Rua dos Bobos, número zero. A palavra insignificante abre, ainda, outro concurso, que é preciso anotar à margem: qual é o paradoxo mais curto? A pessoa que grita: “surdo!”. Na infância me lembro vagamente de um programa humorístico em que um personagem não conseguia compreender como se podia erguer uma estátua ao soldado desconhecido.
Ainda da infância, me lembro de uma história de louco no estilo da Tutameia de Guimarães Rosa e de Vinícius de Moraes. Um louco ficava o dia todo apanhando com as mãos o que pareciam ser moscas invisíveis. Alguém chegou perto e lhe disse, o que você está pegando o tempo todo? Inhanha. Isso não existe. Como é que são essas inhanhas? Não sei, ainda não peguei nenhuma, mas quando pegar eu lhe mostro.
Assim como a palavra insignificante é uma espécie de engodo, pois ocupa um espaço para dizer que não significa coisa alguma, podemos passar agora ao discurso vazio, que diz exatamente que nada tem a dizer.Em princípio, o caso seguinte é apenas um caso de discurso insignificante. Ele nos é apresentado por Hayden e Picard, na página 50 do mesmo livro já citado: “Senhoras e senhores, não se preocupem, porque não vou tomar o seu tempo fazendo um longo discurso. Vou apenas fazer um cumprimento, que vai ser seguido de um pequeno comentário, e depois vou me despedir. Boa noite”. Mas, na verdade, ele abre a porta para uma categoria mais bem definida: o paradoxo dos discursos que terminam inesperadamente, um pouco antes do previsto. Outro caso, deste tipo, me foi contado como uma história verídica do meu tio Amir. Uma visita desejava assistir à missa no domingo, mas temia encontrar um daqueles padres que fazem um sermão longo e insuportável. O meu tio lhe disse que conhecia um padre que subia muito rapidamente ao altar, de costas para os fiéis, bebia o vinho e ia embora. Estes dois exemplos abrem uma espécie de concurso, para saber em qual dos casos foi possível encerrar antes o discurso mal aberto. Um concorrente foi proposto em uma tirinha de jornal estrelada por um mau-caráter: Zé do Boné. Saindo do campo de futebol ele disse: “Acho que acabo de bater algum recorde, fui expulso no aquecimento, antes do jogo começar”. Este exemplo parece vencer seus concorrentes deste ponto de vista, termina antes mesmo de ter começado. Na mesma festa em que foi proferido o discurso curtíssimo, um dos participantes toma a palavra e diz: “Eu só queria dizer uma coisa”. Para não deixar por menos, outro participante levanta a mão e diz: “Eu só queria dizer duas coisas, boa noite”. O conjunto de música cômica argentino, les Luthiers, apresenta uma música que concorre com a famosa “Valsa do Minuto”, de Chopin, é a “Valsa do segundo”. Apesar disso, não se pode aceitar como certo que uma pessoa que dá uma volta e chega ao mesmo lugar de onde partiu não tenha dado um recado. Isso fica claro em um dos inumeráveis casos em que um discípulo oriental conversa com seu mestre: Mestre, o que devo fazer para ser feliz? Fazer boas escolhas. E como eu devo me garantir para fazer só boas escolhas, mestre? Usando a experiência. E como eu devo fazer, mestre, para adquirir experiência? Más escolhas.

Tomando um desvio desta linha, ainda dentro do conceito dos paradoxos do insignificante, vamos encontrar a conhecida canção folclórica francesa (“Quand trois poules vont au champ”): quando três galinhas vão ao campo, a primeira vai na frente, a segunda segue a primeira e a terceira vai atrás. Ou, ainda, o famoso ‘’o que é que é”: por que as galinhas sempre atravessam na frente dos automóveis? Para chegar do lado de lá. Esta história, com uma única galinha, é superior pela simplicidade. A outra utiliza as três galinhas para criar um suspense que, ao fim, merece a fórmula proposta por António Sousa Dias: enervante tautologia. As galinhas têm independência, uma lógica própria, a lógica da mais absoluta simplicidade, isto é o que parece significar a sua presença nestas duas imagens.
Não pode ainda deixar de ser mencionada uma história que conheci através do humorista Tiririca (Francisco Averardo Oliveira Silva) na televisão. Eu estou criando umas vacas lá no nordeste. Metade delas é holandesa, com pintas marrons. E a outra metade? É holandesa também, com pintas marrons. Metade delas a gente cria dentro de um estábulo, para se protegerem do sereno de noite. E a outra metade? Também, vivem junto dentro do estábulo. Metade delas gosta muito de lamber sal, é muito bom pra saúde. E a outra metade? Lambe sal também. Olha, por que é que você separa metade das vacas, se a outra metade é sempre a mesma coisa? Ah, é porque as vacas dessa metade que eu separo são minhas. Entendi, não tinha14 pensado nisso; (silêncio, com rápida reflexão) e as vacas da outra metade, são de quem? São minhas também.
Principalmente em alguns destes casos, o que se pode dizer é que trata-se de idiotas, pessoas que se enrodilham em problemas extremamente simples da lógica ou do discurso. Talvez, mas se o personagem principal revela certa limitação intelectual, o mesmo não se dá com a pessoa que ouve e depois repete a história, pois ele teve a inteligência de perceber e de valorizar a liberdade e autenticidade destes personagens, liberdade efetiva de andar em fila indiana pelo campo, de atravessar a rua por um motivo pífio, de exercer seu direito de proprietário ao dividir “suas” vacas em quantos grupos desejar pelo motivo que considerar interessante. Ou seja, quem repete a história brinca com o ouvinte, enuncia e cria expectativas que são em seguida frustradas e assim irrita quem pretende ser inteligente a ponto de ter a arrogância de adivinhar mais do que foi anunciado. O paradoxo do insignificante lembra e deve ser comparado com o famoso paradoxo de Eubúlides (“O que estou dizendo agora é falso”), e, acredito, trata-se de um paradoxo mais profundo, e deveria ser assim enunciado: “Neste momento o que eu estou dizendo é coisa alguma, não estou dizendo nada”.
Tancredo Neves foi um dos maiores políticos brasileiros de todos os tempos. Em sua carreira extremamente longa, dizem as más línguas, se especializou em fazer longas declarações que diziam todas em resumo coisa alguma. Mas é da mesma nossa Minas Gerais que nesse sentido provém a frase mais conhecida, atribuída ao interventor Benedito Valadares: “Não sou a favor nem contra, muito pelo contrário”.
Seria interessante pesquisar em outros países, em outras culturas. No Brasil temos diversas expressões curiosas, na cultura popular, que em grandes linhas põem lado a lado duas coisas contrárias, opostas, paradoxais: sovaco de cobra, golpe do João sem braço, a volta dos que não foram, em casa de ferreiro espeto de pau, amarrar cachorro com linguiça. Mais fácil do que empurrar bêbado na descida, sopa de minhoca, mamão com açúcar, chover no molhado, dar milho pra galinha, trocar seis por meia dúzia, são exemplos de uma categoria que, embora formalmente sejam o contrário das contradições, pleonasmos, tautologias, no conteúdo também são contradições, pois significam o equívoco de se tentar um resultado sem alterar nada. E assim devem ser ideias colocadas logo depois das contribuições mais famosas de Tancredo Neves e de Benedito Valadares.
O exemplo a seguir é interessante porque abre uma categoria que relaciona esses discursos contraditórios com os discursos que se anulam, ou seja, os discursos insignificantes (como daquela pessoa que afirma que vai falar pouco, boa noite). Eu contar agora todas as aventuras que eu já tive com diversas mulheres na minha vida. Até a data em que conheci a minha esposa, que está aqui do lado ouvindo. Porque a partir dessa data não adianta nada falar nada, pois se eu tivesse vivido alguma aventura sexual, eu não contaria mesmo. Assim, eu não tive de fato aventura alguma, mas não posso encontrar uma forma de dizer isso sem parecer mentiroso. Assim sendo, prefiro não falar nada a partir dessa data.

O que não são paradoxos. As tautologias são praticamente o oposto dos paradoxos (no paradoxo uma solução é impossível, sempre dá errado, na tautologia sempre dá certo, por isso é uma idiotice). É preciso assinalar que as três galinhas passeando pelo campo é uma falsa tautologia, pois esta e outras da mesma categoria não chegam mesmo a fazer uma afirmação. Uma tautologia mais genuína afirma algo que não pode ser falso em hipótese alguma. Por exemplo, uma pérola coletada por Stanislaw Ponte Preta em Febeapá: Festival de besteiras que assola o país: “Todas as pessoas que fumam acabam mais cedo ou mais tarde morrendo por causa do cigarro, a não ser que outra doença o mate primeiro”. Aqui, ao contrário das afirmações anteriores, o autor não prega uma peça no ouvinte, mas ele mesmo é vítima de um equívoco. Quem tem a função de perceber o equívoco é o ouvinte.
Existe um termo em francês, lapalissade, em homenagem a Jacques de la Palice (1470 – 1525), que se refere a tautologias extremamente óbvias. Trata-se do correspondente tautológica aos oximoros, ou seja, assim como as contradições muito simples são chamadas de oximoros, os pleonasmos ou tautologias muito simples são chamadas de lapalissades. A mais conhecida é “quinze minutos antes de morrer ele estava vivo”. No entanto, no filme estrelado por Fernandel, François 1er, de 1937, com direção de Christian-Jaque, o próprio La Palice apresenta um exemplo mais exato: como tem gente nesta sala, se mandassem a maioria embora a sala ficaria mais vazia. No futebol o comentarista vaticina: vai levar a vitória pra casa o time que ao fim da partida tiver feito mais gols que o adversário. Nesse país temos os ricos, temos os pobres, e temos a classe média, que não é nem rica nem muito pobre. Diz-se que Geraldo Bretas, famoso comentarista de futebol brasileiro, teria dito o seguinte. O jogo está dois a zero e faltam só dois minutos para acabar, então, com certeza, a vitória está garantida, a não ser que o outro time marque um gol exatamente agora e que depois, em menos de dois minutos, ainda consiga marcar outro.
Talvez a mais simples e conhecida das afirmações inúteis ou insignificantes sejam as identidades. No entanto, muitas vezes, quase sempre, as identidades pretendem dizer algo mais do que dizem explicitamente. Por isso deveriam se chamar de falsas identidades. Ou, já que estamos neste pedaço do livro, de falsas lapalissades. Dizem o óbvio, mas uma análise mais detida vai revelar uma sabedoria oculta. O que é é, um começo é um começo, um homem é um homem, uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa ou, do futebol brasileiro: clássico é clássico, e vice-versa.

Existe um tipo de engodo relacionado com taxonomias, classificações, listagens, em que um dos elementos, não necessariamente o primeiro, desautoriza os demais. E assim a estrutura da listagem perde o sentido. É o caso de uma anedota que se conta sobre Napoleão. O exército francês, ao invadir a Alemanha, geralmente era recebido com festas, o que incluía o toque dos sinos. Em uma pequena cidade, os sinos não tocaram. Napoleão pediu que o padre local fosse trazido à sua presença. “Não toquei os sinos por três motivos”, disse o padre. “O primeiro é que não temos sinos”. Napoleão pulou da cadeira e disse: “Se você disser os outros dois motivos, eu o mando fuzilar agora”. Mas o padre poderia ter começado da outra ponta, poderia ter dado até mais razões para não ter tocado o sino, e no fim pediria licença para acrescentar um pequeno detalhe, não existir o sino. Dá mais ou menos na mesma. Uma amiga minha tinha tanto pavor de ter um filho que tomava três providências, pílulas anticoncepcionais, dispositivo intrauterino, ou Diu, e não tinha relações sexuais de jeito nenhum. Graças a este expediente hoje ela tem duas lindas filhas, razão de sua existência, em suas próprias palavras. Outro caso se refere a um processo, nos Estados Unidos, em que o advogado de defesa argumentou que o cachorro do seu cliente não tinha mordido sua vizinha por dois motivos, um, porque ele não tinha nenhum cachorro, segundo, que o seu cachorro era muito manso e nunca mordeu nem morderia ninguém, que era invenção da vizinha. O motivo seria de que o sistema judiciário só permitia o recurso para o caso de uma derrota no primeiro se o segundo item já constasse na primeira redação do processo. Mas este caso é praticamente o mesmo da famosa contradição espanhola: “Não creio nas bruxas, mas que existem, existem”, que não tem a estrutura de uma listagem.
E ainda um último exemplo de taxionomias em que um dos itens elimina a utilidade dos outros. Ele encontrou uma namorada que utilizava outro alfabeto, uma chinesa, ou japonesa, russa, indiana ou árabe. Depois de alguma conversa tudo indicava que entraram no automóvel para encontrar um motel. Mas passaram diante de uma placa que indicava a rua e o motel que procuravam. Ele disse, hei, vc. passou na frente da placa da rua e do motel e não virou. E agora? Resposta. Primeiro, eu não compreendo o alfabeto que vocês utilizam aqui, não compreendo uma única letra. Segundo, eu fico muito feia de óculos, tenho cinco graus de miopia, e não enxergo um metro na frente do nariz. E terceiro, jamais me passou pela cabeça ir ao motel com você.
Ou seja, há falsas taxonomias porque um dos itens está em contradição com o outro ou outros, e há aquelas em que cada item é tão absoluta que outro item é inútil.

Aqui não há espaço para uma análise mais detida, mas podemos pedir ao leitor que atente para como são diferentes os seguintes casos, os quais não passam de simples contradições.
O que acabamos de ver também podem ser consideradas simples contradições, mas que se apresentam com a estrutura de uma listagem. Somente por isto é que se aproximam da categoria do insignificante, pois são uma lista que acaba não sendo lista alguma.
Uma destas contradições é o ditado brasileiro de que “para bode velho capim novo”. Contradição seria dizer para bode velho capim velho, isto sim não faz sentido, ou seja, a aparente contradição nada mais é do que bom senso. Outro exemplo é a ideia de Sade colhida por Barthes em Sade, Fourier, Loyola: a Igreja Católica é fonte de sofrimento, atraso, por causa de seu moralismo. A melhor coisa do mundo é o adultério. Mas não pode haver adultério sem Igreja Católica e sem o casamento. Então, viva a Igreja Católica, que continue para sempre. Outra contradição, bastante semelhante a esta, é uma piada. Uma prostituta se arrepende e resolve ser freira. Pouco tempo depois está de volta à prostituição. Uma colega lhe pergunta: gostou da Igreja? Não. Mas não tinha nada de bom? Tinha; eu já experimentei de tudo sobre sexo, mas lá eu fiz a coisa mais gostosa que existe, esta coisa faz até um olhar ser mais gostoso do que todos os bacanais ou posições. Se chama pecado. Que coisa mais gostosa. Um conhecido conto de Machado de Assis nos alerta sobre uma possível religião do diabo, que prega o mal: as pessoas aos poucos começam a fazer o bem às escondidas diabo (“A Igreja do diabo”, do livro Histórias sem data, São Paulo, Ática, 1998). Só, pessoalmente, não gostaria de ser o responsável por o leitor vir a ler exatamente este conto de Machado de Assis, que tem dezenas de contos muito superiores. Na humilde opinião deste autor, evidentemente, que nunca foi crítico literário. Mas há diversos casos exatamente sobre este tipo de contradição. Meu pai contava sempre a história de um menininho que cortava lenha para seu pai (pai do menininho) e ganhava como prêmio um pedaço bem fininho de queijo. Um dia o seu pai resolveu lhe dar um queijo mais grosso e o menininho começou a chorar. O motivo é que ele gostava de olhar a paisagem através dos buracos no queijo, e isto era impossível com a fatia mais grossa. Evidentemente, o meu pai contava esta história sempre que eu pedia um pedaço maior de qualquer coisa. É curioso que em outra versão, igualmente caipira, desta história, o paradoxo ou contradição é menos evidente. Uma amiga minha contava que em sua casa, muito pobre, a toalha era um pano simples de algodão, sacos alvejados, só com um arremate nas beiradas. Depois a situação melhorou e puderam comprar toalhas mais felpudas, mas todos sentiram falta das toalhas antigas porque com as novas era impossível enxugar o fundo da orelha.
Alguém ouvia uma pessoa dizer que tinha esta doença, e também aquela, e que sentia uma dor, um mal-estar. Ela o interpelou: você não acha que sua verdadeira doença é ser hipocondríaco? A resposta: de forma alguma, esta é a única doença que eu não tenho.

As próximas histórias são ligeiramente diferentes, porque não exploram a convivência de dois traços contraditórios, e sim a possibilidade da sequência, em momentos diferentes, de duas situações contraditórias. Um conhecido detestava músicas do Roberto Carlos, o que lhe deu uma boa ideia para vencer a solidão e o tédio nas tardes de domingo: ele colocava um CD do Roberto Carlos, e quando faltava uma única faixa ele desligava, e assim, dizia ele, se sentia muito feliz. Tanto por cessar a tortura, quanto por se ver livre de ouvir a última faixa, pelo menos. Que é praticamente o mesmo caso do louco que batia na cabeça com um martelo; questionado, ele afirma: você não imagina como é gostoso quando eu paro. O trabalhador que ao se aposentar descobre que está privado de uma das maiores delícias do trabalho, a falta, o sábado, domingo e feriado; a falta não existe mais e os feriados, embora continuem existindo, perderam a graça. Estas contradições talvez se resolvam, todas, com a afirmação de que é muito compreensível que as pessoas sintam prazer em tirar férias e que isto tem um sabor especial quando se trabalha, em casar e em ficar longe do marido ou esposa, em desligar uma música ruim mesmo que para isto seja necessário ouvir algumas faixas, em ter uma religião mas também em cometer alguns pecados, em poder odiar os burgueses embora para isto seja conveniente que existam; ou seja, compreendendo este lado do ser humano, não há contradição alguma.
O seguinte paradoxo se parece com os anteriores, mas é o seu oposto. Trata-se de uma ideia de Jacques Prévert: nós conhecemos a felicidade pelo barulho de seus passos quando ela está se afastando. Que vamos colocar na companhia, para depois justificar, de dois paradoxos ou contradições devidos a Fernando Pessoa: “E eu era feliz? Não sei. Fui-o outrora agora”, e a neve vista “por trás da vidraça de um lar que nunca terei”. Primeiro, dois parágrafos atrás, a felicidade surge apenas como o alívio quando algo ruim chega ao fim. E só somos felizes porque deixamos de ser infelizes, mas aqui, pela sugestão de Prévert, somos felizes quando deixamos de ser felizes, ou melhor, ficamos felizes porque percebemos que éramos felizes e não sabíamos. E aí nos aproximamos do outro grupo de paradoxos de Fernando Pessoa: somos felizes-agora, mas só depois, depois somos infelizes. Felizes retroativamente. Só por esse ângulo Prévert e Fernando Pessoa dizem a mesma coisa: a felicidade só existe retroativamente. Quando está indo, ou quando já foi embora. De costas pra mim e se afastando.
Existe também outra série de contradições, com aspectos paradoxais, que embora explorem listas ou sequências, de certa forma são o oposto destas, pois aí se descobre não o quanto é bom acabar o que é ruim, e sim que o ruim depois parece ter sido bom. Todos eles derivam, mais ou menos, do conhecido paradoxo da máquina do tempo: alguém consegue entrar na máquina do tempo e destrói a própria máquina. Este tipo de paradoxo é um loop que se desfaz, um anti-loop. Ou, em uma versão mais radical, o criador da máquina volta ao passado e impede o namoro de seus pais, e desta forma não nasce. Ou, ainda, em uma versão mais prosaica. Todos sabem que o biscoito mais gostoso do pacote é o último. Uma pessoa, tendo uma máquina do tempo, volta ao passado e, olhando para os biscoitos bem antes de se acabarem, identifica o último, já que ele veio do futuro, e o come, já que é o mais gostoso. Sem dúvida as músicas sertanejas brasileiras apontam para um rumo muito diferente. Minha esposa querida, namorada, casa, “meu sertão querido, vivo arrependido por ter te deixado”. Mas se até hoje eu estivesse lá no interior estaria infeliz, imaginando o quanto aquelas mulheres de comportamento cosmopolita vistas pela televisão teriam sido maravilhosas se eu tivesse saído de lá. É certo que no interior temos também piscina, margarina e gasolina, mas no conjunto elas não chegam a mudar, só arranham, a estrutura biológica da vida. Foi preciso ter rompido, ter partido, para descobrir, na dor, que devia ter ficado. Foi preciso ter me tornado adulto para, com Fernando Pessoa, descobrir que eu fui feliz outrora – agora. Sempre que for possível, é só voltar, mas tendo partido eu é que me tornei inadequado, talvez pior, mas não exatamente. As mulheres envelhecem, as cidades não necessariamente. Eu envelheci, com certeza. Mas pessoalmente acho que não se deve taxar de impossível, sempre, visitar os seios de Duília (Aníbal Machado). Só porque ela tem um dente amarelado? Talvez seja mais masoquismo do que impossibilidade. Enfim, trata-se de uma contradição querer ter continuado no interior, criança, ignorante, porque então eu seria feliz, mas seria feliz exatamente porque, talvez, não tivesse senso crítico para perceber o quanto era infeliz.
Salomão Schvartzman, um comentarista e filósofo do cotidiano e da política brasileira, afirma: na atual situação da política brasileira quem não está confuso com certeza está mal informado. Duby no livro sobre Guilherme Maréchal dá a entender que até podemos admirar pessoas que têm sua força
em não sofrer as comichões da autocrítica. E também Paulo Freire (em Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, página 27), quando para afirmar a mesma característica sugere a expressão “falto de dúvida”.
18 Aos quinze anos, me lembro vagamente, fui à casa de um poeta em Goiânia. Parece que ele morava em uma república, com outros jovens. Me lembro de ter folheado um livro pequeno, que seria o seu livro recém publicado. E vi na cabeceira da sua cama um quadro com um poema de Fernando Pessoa, que memorizei involuntariamente. Dizia: “Dorme, que tudo é vão. Dorme, que a vida é nada. Se alguém encontrou a estrada, encontrou-a em confusão, com a alma enganada” (Na verdade, a memória funcionou bem, mas não foi perfeita, pois a redação de Fernando Pessoa de fato é esta: “Dorme, que a vida é nada!/ Dorme, que tudo é vão!/ Se alguém achou a estrada,/ Achou-a em confusão,/ Com a alma enganada”). Em todos esses casos se trata de uma crítica a uma sabedoria certa em si mesma, mas equivocada por não saber encarar a dúvida. Se a formulação utilizada por Fernando Pessoa fosse esta outra: “alguns podem ter encontrado a estrada, mas foram os confusos ou enganados, pois os lúcidos estão perdidos”, teríamos o mesmo conceito apresentado por Salomão Schvartzman.
Um dia destes, provavelmente em setembro de 2009, deparei com uma contradição de outro tipo. Coloquei o pé para subir no ônibus e uma senhora deu sua última baforada no cigarro atrás da minha cabeça, já que dentro do ônibus é proibido. Eu fiz uma careta horrível e virei o rosto. Ela disse: “será possível que agora nem na rua é permitido fumar?”. Eu não disse nada, mas pensei: talvez ela queira uma lei que diga que na rua é permitido fumar, mas proibido fazer careta. A sua contradição só não é maior do que a minha, que eu só percebi dias depois pensando no caso. Porque na verdade a lei deveria ser assim: na rua é permitido fumar, proibido fazer careta e também proibido dizer “Será possível que agora nem na rua é proibido fumar?”. Enfim, não há contradição alguma, na rua é permitido fumar, permitido fazer careta e permitido falar praticamente qualquer coisa. E tudo está resolvido.
Essa história abre um tema que geralmente se chama justificativa nos trabalhos acadêmicos. O trato com os paradoxos podem nos tornar mais sensíveis e mais espertos na detecção de paradoxos, muitos deles ocultos. Basta citar um exemplo. Tomemos a seguinte piada de português. Um português tinha um armazém e recebeu a visita de um amigo brasileiro. Em um determinado momento ele o leva para o depósito, para lhe mostrar os mantimentos e outros produtos dispostos nas prateleiras. O amigo observa: nossa, como você vende sal, aqui tem muito sal armazenado, não sabia que um armazém vendia tanto sal. O português responde: como vocês brasileiros são burros: eu não vendo sal, vendo muito pouco, se vendesse muito não estaria com todo esse estoque correndo o risco de se estragar. Até aí, tudo bem, trata-se de uma piada. No entanto, a mesma estrutura aparece em um fato muito mais corriqueiro e sutil. Uma pessoa recebe a visita de um parente, e ambos examinam a sua casa e propriedades. O parente comenta: como você está bem de situação. Conseguiu comprar esse automóvel, que é muito caro. O nosso personagem abaixa a cabeça: é aí que você se engana, estou muito mal, pago esse automóvel e quase não sobra dinheiro pra comprar comida. Quem não conhece a piada do português que não vendia sal corre o risco de não perceber que aí está escondido o mesmo paradoxo. Quase idêntico.

Alguns desses exemplos já citados, e alguns que vão aparecer adiante, abrem uma categoria que podemos chamar de contradição estrutural. Ou seja, não se trata apenas de dizer duas coisas que não podem conviver no mesmo espaço, e sim de dizer algo que não admite aquela estrutura do discurso. Os exemplos de Epimênides e Eubúlides são o caso mais importante, mas o caso de Napoleão e os sinos também. Lista de compras: camomila, borracha para consertar a torneira, pastilhas Valda, passar no técnico pra ver se a televisão está pronta, alicate, não esquecer de levar esta lista, três batatas. Placa na frente do Mobral, campanha do governo para a alfabetização: na sala B1-23 os que já sabem ler um pouco, e na sala A3-27 os que não sabem ler. Acrescente-se, mentalmente: que não sabem ler nada, nem mesmo esta placa. Quando uma pessoa diz para a outra “surdo”, que já candidatamos como paradoxo mais curto, ela, na verdade, está dizendo que o ouvinte é um pouco surdo, por isso tem que falar um pouco mais alto. Outro caso pitoresco, fruto da tão comum experiência com o casamento, só que neste caso mais candidato a paradoxo do que a contradição, é o seguinte. O marido diz para a esposa: você não concorda com nada que eu digo. Se ela diz “Que absurdo, é claro que concordo com você”, no fundo ao discordar está concordando com ele, pelo menos naquele momento, e, se abaixa a cabeça, concordando, está na verdade discordando. Sem saída, ela pode dizer apenas: “Que absurdo, não é verdade”, mas com um sorriso irônico nos lábios. Ou, o que dá na mesma, ela pode ser mais explícita, e dizer com o mesmo sorriso irônico: “Como, claro que concordo com você: tudo que você diz é sempre correto?”.
Vi há alguns anos na televisão uma moça gaúcha, bonita, que mostrava sua fazenda, com muitas vacas e cavalos. “Estas são as coisas que eu mais amo na vida, ela dizia, o gado e os cavalos. Bom, gosto muito também de um churrasco com os amigos”. Esta contradição abre uma porta para toda uma categoria de contradições, aliás, bem do gosto popular, que são as contradições entre o conteúdo e a forma. A contradição da moça gaúcha, é bom deixar claro, abre esta porta, mas não se inclui nesta categoria. Vou citar apenas três casos e comentar logo em seguida. “(Nós somos é) Chique no úrtimo”, “Herrar é umano” e “É a ingnorança que astravanca o progresso”. Nos três casos, e até no caso da gaúcha que gostava de vaca e churrasco, o falante postula uma posição sofisticada, mas se trai pelo próprio discurso. Mas sempre alguém há de dizer que não há contradição, principalmente nos dois últimos, porque se o erro se justifica, se justifica também na presente frase, e, no segundo caso, esta frase é uma demonstração do quanto a ignorância está disseminada pela sociedade. Barthes, na parte sobre Fourier, do livro citado na bibliografia, afirma que Fourier incorre em uma contradição mais comum entre fofoqueiras. Do tipo: “Eu detesto falar mal das pessoas, e nunca ia falar mal da fulana, que é muito amiga minha, mas, meu Deus, o que é que ela estava fazendo às onze horas da noite na esquina da …”.

Falácias e oxímoros. Estudei no seminário franciscano São Fidélis de Piracicaba, no Estado de São Paulo, em 1963 e 1964, portanto aos 11 e 12 anos de idade. Não sei em que data em um destes dois anos fomos chamados ao teatro, dentro do próprio prédio, para ouvir uma palestra. Eu me lembro de um senhor baixinho, meio gordo. Ele me pareceu ágil, embora, pelos cabelos grisalhos, não parecesse muito jovem. Ele dizia se chamar Malba Tahan, um sábio persa especializado em falácias matemáticas e em contar histórias nas quais a matemática e o clima do Oriente Médio se misturavam. Parecia uma brincadeira, já que Malba Tahan, em seus próprios livros, parecia um personagem de outros tempos, mais próximo das Mil e Uma Noites do que dos dias de hoje. Muitos anos depois fiquei sabendo que provavelmente tive o privilégio de conhecer o verdadeiro Malba Tahan, cujo nome completo seria Ali Yezzid Izz-Edin ibn-Salim Hanak Malba Tahan, ou seja, conheci de fato Júlio César de Mello e Souza (Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 – Recife, 18 de junho de 1974), que inventou este personagem. Fica aqui a sugestão para que o leitor, caso já não conheça, leia suas obras, uma referência deste tema, falácias e demonstrações de inteligência.
Ainda que rejeitando por enquanto uma proposta de delimitação mais rigorosa, não se sustenta a posição de que se deva admitir que tudo é paradoxo. Assim vamos rejeitar os casos em que a solução não chega a abrir uma discussão, não desdobrando defensores de diversas possibilidades (partidos), inclusive defensores da impossibilidade de solução.
Entre os candidatos que vamos rejeitar estão os casos mais evidentes, as simples contradições; confundir estes casos com os paradoxos constitui o erro mais primário. Os oxímoros, do tipo “feliz infelicidade”, “de repente no Maracanã se fez um silêncio ensurdecedor”. No Brasil há diversas expressões nessa linha, e que têm essa estrutura, embora algumas apresentema mesmice e outras a contradição; golpe do João sem braço, sopa de minhoca, ,mamãocom açúcar, empurrar bêbado na descida, amarrar cachorro c om linguiça, a volta dosquenão foram, entre morots e feridos salvaram-se todos, trocar seis por meia dúzia, clássico é clássico e vice-versa. E vamos rejeitar também, não vamos considerar como paradoxos, contradições simples, tais como as belas oposições do Sermão da Montanha, do Evangelho de Mateus, candidato sério a maior texto já produzido pela humanidade, onde os mansos herdarão a terra, a pequena semente de mostarda germina para se tornar a maior das hortaliças. Ou o conhecido: “Todos os animais são iguais, só que alguns são mais iguais do que os outros” de Orwell em The animal farm. Na literatura de Língua Portuguesa pode ser encontrada uma longa tradição, que só ela encheria páginas e páginas, desde Camões, que afirmou que “o amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer” (Lírica, apresentação de Massaud Moisés, São Paulo, Cultrix, 2008, p. 123), até Vinicius de Moraes: “Eu possa me dizer do amor (que tive): que não seja imortal, posto que é chama, mas que deve ser infinito enquanto dure” (em Antologia Poética, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, na página 96).
Ainda na cultura popular, há oximoros mais sutis. Tomemos uma listagem: as piores coisas do mundo são cerveja quente, boi doente, mulher da gente, e as melhores coisas do mundo são cerveja gelada, boi na invernada, mulher pelada. O boi dá um toque caipira. O oximoro se deve a que a cerveja quente substitui o que seria óbvio, a cerveja gelada. Cerveja e quente se opõem. O boi é o símbolo da força e da saúde. São três pares que se opõem que em seguida são substituídos por três pares que se casam muito bem.

Vamos apresentar então os já anunciados dois exemplos típicos de falácia. Sei que alguns leitores se aborrecem um pouco quando se trata de contas aritméticas, portanto preferi deixar as explicações mais trabalhosas entre colchetes. São as duas histórias, que me parecem populares, e que inclusive são relatadas por Hayden e Picard: a história dos três viajantes e da menina que vendeu maçãs a pedido do seu pai.
No primeiro, três viajantes se hospedam em um hotel, ou almoçam em um restaurante, pagam dez moedas cada um e vão embora. O dono do hotel, ao saber que já se foram e que pagaram dez moedas cada um, fica indignado. Não, eles são meus amigos, eles mereceriam um desconto. Chama um dos empregados e pede que lhes devolva cinco moedas. O empregado, no caminho, pensa nas dificuldades de devolver cinco moedas para três pessoas. Assim, fica com duas para si e devolve uma para cada um. Resultado, como cada um acabou pagando nove moedas, pagaram, juntos os três, vinte e sete moedas. Vinte e sete, mais as duas moedas que ficaram com o empregado, são vinte e nove moedas. Uma sumiu. Eu me lembro de já ter ouvido esta história talvez ainda na infância, terminando com esta observação moralista sobre desonestidade: talvez a matemática tenha punido a desonestidade.
[Trata-se de uma falácia porque fazemos a conta errada, atraindo o ouvinte para uma armadilha. Há duas contas corretas. Uma, mais simples, consiste em somar 27 – que é o quanto eles pagaram no total – com os 3 que lhe foram devolvidos, e não com os 2 que ficaram com o empregado: 27+3=30 e não 27+2=29. Este é o procedimento correto porque estas 27 pagas já incluem o pagamento dos 25 da hospedagem mais as 2 moedas que ficaram com o empregado desonesto. Se somarmos as 27moedas com as 2 do empregado, estas duas moedas estarão sendo somadas duas vezes, 25+2+2=29 e nenhuma vez as 3 moedas que voltaram para as mãos dos viajantes, 25+2+3=30. O resultado é 30, corrigindo este equívoco, como deveria ser. A outra conta lembra que para o dono do hotel eles não deram 9 moedas cada, e sim um terço de 25, que é oito vírgula trinta e três (8,33). Este valor vezes 3 dá 25. Mais os dois do empregado, vinte e sete, mais os três que lhes foram devolvidos, trinta: 8,33×3+2+3=30]
A outra história é da menina que vende maçãs para o pai. Recebe 30 maçãs grandes que deve vender por 1 moeda cada 3 maçãs, totalizando portanto 10 moedas. E também 30 maçãs pequenas, que deve vender cada 5 por 1 moeda, totalizando portanto 6 moedas. Se ela vendesse todas as maçãs, deveria entregar ao pai 10+6=16 moedas. Mas, quando o pai retorna, ela tinha vendido todas as maçãs e apresenta para ele apenas 15 moedas, uma sumiu. No entanto ela pensava ter feito as contas corretamente. Ela conta ao pai que apareceu uma compradora que quis comprar todas as maçãs. Como o preço médio era de 4 maçãs por uma moeda, ela vendeu todas por este preço, e assim 60 maçãs foram vendidas por 15 moedas: 60÷4=15.
[Aqui não há espaço para uma análise mais detida deste paradoxo muito interessante. Mas registro a minha opinião, para discussão, de que os autores Hayden e Picard dão uma solução equivocada ao problema. A média correta é 4, mas apenas para cada grupo de 8 maçãs, 3 grandes e 5 pequenas. Este grupo rende 1 moeda pelas 3 grandes mais 1 moeda pelas 5 pequenas, 1+1=2, ou, pela média, 8÷4=2. Assim, se houvesse 80 maçãs, por exemplo, 30 grandes e 50 pequenas, o preço de todas seria de 20 moedas, 30÷3=10 e 50÷5=10; não faltaria moeda alguma: 10+10=20 ou 80÷4=20. Mas, havendo 30 maçãs grandes e 30 maçãs pequenas, 60 maçãs no total, devemos, primeiro, formar os grupos de 8 maçãs – compostos como indicamos logo atrás por 3 grandes e 5 pequenas –, porque este conjunto permite o uso da média, o que resulta em 6 grupos de 8 maçãs cada, compostos por 3 grandes e 5 pequenas cada grupo, que renderiam cada grupo 2 moedas e que no todo renderiam 12 moedas (6×2=12), ou, calculando pelo todo, como temos 18 maçãs grandes e 30 pequenas, compondo um total de 48 maçãs, elas renderiam 6+6=12, ou seja, 18÷3=6 mais 30÷5=6, o que totaliza 12 moedas. Separados então estes grupos nos quais funciona a média, temos 48 maçãs, 18 grandes e 30 pequenas, 6×3=18 e 6×5=30, 18+30=48, 60-48=12, sobram 12 maçãs, todas grandes e nenhuma pequena, 30–18=12, e 30–30=0. Repetindo, sobram 12, pois se dividirmos todas as maçãs em grupos de 8, sendo 3 grandes e 5 pequenas, conseguimos utilizar 48 maçãs, e feita esta divisão não sobra nenhuma maçã pequena e sobram 12 maçãs grandes. Estas 12 maçãs grandes deveriam ser vendidas por 1 moeda cada 3, o que renderia 4 moedas, mas como foram vendidas por 4 maçãs por moeda, renderam 3 moedas, 1 moeda a menos, e aí está a diferença. Neste grupo composto apenas de maçãs grandes não se pode utilizar a média. A compradora, no fim, acabou comprando por estas 12 maçãs pelo preço de 1 moeda por cada 4 maçãs, sendo que o correto teria sido comprar com 1 moeda apenas 3 maçãs. O erro da solução proposta pelos autores foi não terem feito qualquer referência ao total de maçãs, como se o problema da média se resolvesse apenas comparando duas maçãs, uma pequena e uma grande. O raciocínio dos autores toma outro rumo, o fato de que as maçãs grandes valem 1/3 de moeda e as maçãs pequenas valem
1/5 de moeda. E de que a média entre 1/3 e 1/5 não é 1/4, é 4/15, que é maior do que 4/16. O leitor pode fazer os cálculos desta forma; no entanto, na minha opinião, este rumo evita equivocadamente a questão fundamental, que é a média, que passa pelo (para fazer sentido exige que se mencione o) total de maçãs. A conta que os autores fazem, de comparar as maçãs uma a uma, só funciona porque o número de maçãs grandes e pequenas é igual,
30 de cada uma, mas os autores não destacam, como deveriam, este fato. Os autores erram em não mostrar a armadilha, e a genialidade da história: como o conjunto de todas as maçãs é formado por quantidades iguais de maçãs grandes e pequenas, 30 de cada uma, a menina se viu encorajada a fazer a média, equiparando as maçãs duas a duas, uma grande e uma pequena. Um erro porque a média somente deve ser calculada, funciona, se houver um múltiplo – o mesmo – de 3 para as maçãs grandes e de 5 para as maçãs pequenas, por exemplo, 30 maçãs grandes e 50 maçãs pequenas, em que o multiplicador é 10. Tão genial que os próprios autores do livro caíram na armadilha, e propõem uma solução que deixa de lado o mais importante, que é a necessidade de que, para que se utilizasse a média, o conjunto todo fosse um múltiplo de 8 maçãs, um conjunto composto por diversos grupos de 8 maçãs, 3 grandes e 5 pequenas]
A definição mais óbvia e intuitiva de paradoxo é de que ele somente se configura se nenhuma das possibilidades em conflito for absolutamente superior às demais, ou seja, se não houver solução final. No entanto, outra definição, que tem suas vantagens operacionais, é de que, para ser paradoxo, o problema proposto não teria a exigência de apresentar uma dificuldade absolutamente definitiva. Basta que haja uma dificuldade razoável, que justifique uma parada que obrigue o ouvinte a se deter para resolver o problema. O problema pode ter solução, mas ninguém deve poder negar que envolve dificuldades. Assim, principalmente a história da menina que vende maçãs é um paradoxo, de acordo com esta definição, ou, pelo menos, deve constar sempre em uma discussão sobre paradoxos.
Um professor, colega meu na Universidade Cruzeiro do Sul, propunha uma falácia interessante: por um lado, todas as pessoas morrem, é o que dizem, mas por outro lado, como é possível, se isto for verdade, que não haja, e não há, não se encontra, uma única pessoa que tenha morrido? Só podemos afirmar que a morte existe se encontrarmos pelo menos uma pessoa que tenha morrido. Qualquer pesquisador na academia sabe que não podemos afirmar qualquer ocorrência se não encontrarmos um exemplar. Pelo menos um. Eu nunca encontrei. Conclusão, a primeira afirmação não é verdadeira, a morte é uma ficção. Se nos dedicássemos a lhe dar razão, deveríamos acrescentar uma linha de argumentos. Qualquer pessoa está viva, nunca está morta. Se alguém está agonizando, está vivo, tanto quanto um recém nascido saudável. E se está morta, não está, não é ela, não se pode dizer propriamente que ela está morta. Ninguém está morrendo, pode estar agonizando, e sempre há uma possibilidade de se curar. Mas, se estamos mortos não estamos, nem mesmo somos.
O já citado Eubúlides compôs outros paradoxos, sendo que um deles se parece com o anterior. Uma pessoa que perdeu os chifres tem chifres? Não. Você perdeu os chifres? Não. Então você tem chifres. Que tem praticamente a mesma estrutura do diálogo de Ricardo III, de Shakespeare (“ANNE. Villain, thou knowest nor law of God nor man: No beast so fierce but knows some touch of pity. GLOUCESTER. But I know none, and therefore am no beast”): “Não há uma besta tão feroz que não tenha um toque de piedade. Mas eu não tenho nenhuma, portanto eu não sou uma besta”.
No Brasil, pelo menos, é muito popular a pergunta “qual era a cor do cavalo branco de Napoleão”, que é uma pergunta capciosa, embora não muito; parece merecer o rótulo de falácia, ainda que propositalmente fraquíssima, porque induz o ouvinte a não prestar atenção ao adjetivo branco. Ou: qual foi a solução encontrada por Moisés para evitar que os animais se comessem uns aos outros, quando estivessem todos trancados dentro da arca? Aqui a frase deve ser construída de forma que Moisés fique longe da palavra arca dentro da frase. E um problema colossal deve distrair o ouvinte de um problema tão bobo quanto ao nome do profeta, se Moisés, Noé ou Abraão.
A famosa prova da existência de Deus de Santo Anselmo é muitas vezes apresentada como uma poderosa falácia. Não é o que eu penso. A sua prova poderia ser exposta da seguinte forma. Suponhamos que existam dois deuses, A e B. A é boníssimo, perfeitíssimo, belíssimo. E B também é boníssimo, perfeitíssimo, belíssimo. No entanto, A existe, e B não existe. Qual dos dois é Deus? Resposta: A, porque a não existência é uma imperfeição, e Deus não pode ser imperfeito.
Um indivíduo foi condenado à morte. O juiz, para que ele não deixasse de sofrer ao extremo a angústia da execução, ordenou que ele deveria ser executado às nove da manhã de um dia qualquer, nos próximos sete dias, mas que deveria ficar sabendo apenas uma hora antes. O condenado afirmou que o juiz tinha dado uma ordem de execução paradoxal. E se ele seria libertado se provasse sua afirmação. Como o juiz confirmou, ele disse o seguinte. No último dia, digamos no domingo, se ele não tivesse sido executado até sábado, ele não sofreria mais com a incerteza, porque só poderia ser executado no próximo dia. Assim a incerteza só era válida para seis, e não sete dias. Mas se a sentença fosse corrigida, e constasse seis dias, em vez de sete, o erro se repetiria, e na sexta ele já saberia o dia da execução. E assim sucessivamente.
A mesma estrutura se repete em um ambiente menos dramático. A namorada diz para o namorado. Então, vamos fazer uma experiência, vamos nos encontrar cinco vezes. Mas, desde já, eu te digo que a última vez seria muito triste, porque desde o começo nós saberíamos que seria uma despedida. Então, vamos cancelar a última, e vamos nos encontrar só quatro vezes.
Ou, quase igual. Eu lhe prometo que vou lhe fazer uma visita nas próximas duas semanas, de surpresa. Pode ter certeza de que em um desses catorze dias eu de repente vou estar de volta.

Circulam muitas perguntas que induzem a erro. E parecem ser muito populares. Vou mencionar apenas uma, que é de minha autoria. Um namorado que não gostava de tomar banho prometeu à namorada que24 tomaria banho todos os dias do ano. Quantos banhos ele deveria tomar, no mínimo, para cumprir sua promessa? Evidentemente, se fosse um peixe, bastaria um banho, ou seja, poderia passar o ano todo debaixo do chuveiro ou na banheira. Mas, como não gostava de banhos e esta duração excede o bom senso, vamos deixar esta solução de lado. Qual a duração razoável de um banho? Digamos que seja algo entre dois minutos e uma hora. Mas podemos nos fixar em torno de dez minutos. Se escolhermos algo entre estes extremos, ou melhor, desde que não se trate de um banho com duração maior do que 24 horas, os nossos cálculos permanecerão válidos. E convenhamos que cada dia do ano começa sempre às zero horas e termina à meia-noite. Assim ele poderia tomar um banho a cada dois dias, começando cinco minutos, ou mesmo um minuto, antes da meia-noite e terminando o banho cinco minutos depois, já no dia seguinte. Com este estratagema nosso personagem consegue com um só banho cobrir dois dias. O resultado, por isso, é a metade de 365, “182,5”, sendo que este meio banho se refere ao banho que ele deve tomar pela metade, digamos no último dia do ano. Ou que terminamos de tomar no primeiro dia do ano. Isto porque o ano tem um número ímpar de dias. Mas se considerarmos este meio banho como um, já que meio banho não faz sentido, a resposta é arredondada para 183. Que então passa a ser a resposta correta, para anos bissextos ou não. São necessários 183 banhos, em hipótese alguma são necessários mais do que isto, e somente é possível tomar menos banhos se pelo menos um dos banhos durar mais do que 24 horas.

Além de apresentar mais alguns paradoxos, devemos aqui teorizar, inclusive para compreender melhor alguns dos paradoxos já apresentados. O que pode ser obtido com o conceito de paradoxo formal. O que não chega a ser novidade. O que define os paradoxos formais, em grandes linhas, é o fato de que eles não são paradoxos pelo que contêm. Esses paradoxos não são desafios à inteligência, inclusive à capacidade de matemáticos e filósofos, mas chamam, antes, a atenção para a relação entre a forma (a linguagem) e o conteúdo. No parodoxo das vacas holandesas de nordestinas de Tiririca, por exemplo, o que se espera é que uma pessoa separe metade das vacas pro algum motivo, por terem algo de especial, e se o autor as separa porque são exatamente iguais à outra metade, ficamos surpreendidos. Comparemos dois paradoxos na aparência bastante semelhantes. Um é o da chinesa que não pretende ir ao motel com seu amigo, e nem compreende nosso alfabeto, além de enxergar muito mal, e o outro paradoxo é o da moça que toma muitos cuidados para evitar filhos, além de que não tem relações sexuais de forma alguma, o que lhe permite ter tido apenas duas lindas filhas. A semelhança entre esses dois paradoxos é apenas superficial. Não desconfiamos da sinceridade da chinesa, tudo que ela diz é muito taxativo e não deixa margem a dúvidas, mas a moça apavorada com uma possível maternidade acabamos desconfiando, o que é confirmado pelo resultado.
Vamos imaginar o seguinte diálogo. Eu te amo, você é muito bonito, passo todos os dias pensando em você, além disso você é alto, atencioso, inteligente e tem uma ótima situação financeira. Bom, no começo só fiquei desconfiado, depois percebi que era gozação, que no fim virou ofensa. Mas, tudo bem. E muito obrigado por ter me lembrado das minhas dificuldades financeiras.
Esse outro diálogo me disseram ser de autoria de Juca Chaves. Uma das garotas diz: agora eu tenho andado com uns amigos que estudam na USP. A gente às vezes atravessa a madrugada no apartamento de um deles. Mas tudo é só amizade. Eu também tenho um grupo parecido. Mas são uns pequenos empresários que costumam bater papo em algum barzinho da Vila Madalena. Mas não vamos até tarde, porque todo mundo trabalha. E nós também só somos amigos. Aí a terceira amiga diz: eu também sou puta…
Há um livro, um bom livro, A alegria na Escola, de Georges Snyders, que é um elogio todo ele à escola como um espaço de experimentação da cultura como uma forma de prazer. Mas apenas para quem não lê com atenção. Na verdade, trata-se de um livro que combate a Escola Nova que, ela sim, acredita que a escola possa ser um espaço de alegria de todos os tipos, não só na dura escalada da cultura, a alegria de ver seus sacrifícios coroados por resultados, mas também nas relações de amizade e no recreio. Não só no fim de um caminho de sacrifícios, mas também em cada um dos passos dados durante. Como afirmo no livro O elogio da pedagogia.
Esse é um caso mais grosseiro. Mas sempre fica no ar alguma dúvida se Dom Quixote é realmente uma dura crítica à cultura, a todos os que sonham e que procuram transformar as utopias em realidade, ou se é também um momento de encantamento com as possibilidades e também com as delícias da fantasia.
Gunnar Myrdal nos relata ter lido um livro muito crítico sobre o capitalismo e o espírito liberal, com observações agudas e um posicionamento muito inteligente. Mas que de repente, lá pelo meio do livro, começou a desconfiar se de fato era uma crítica. E passou a ter certeza do contrário: não eram ironias, o livro de fato era dedicado a elogiar a sociedade como ela é hoje.
Quando lemos alguns livros, como as Reflexões sobre a Revolução francesa, de Edmund Burke, sabemos perfeitamente que se trata de um livro de elogios ao conservadorismo e até a algum tipo de liberalismo. Mas às vezes o elogio é tão descarado, irracional e exagerado, que, pelo menos visão do autor do presente livro, que tem ideias contrárias, ficamos procurando algo que justifique a dúvida: não seria tudo aquilo ali pura gozação?
O filme Os boinas verdes, norte-americano, está nessa categoria. Temos que nos lembrar sempre que ele foi produzido em outros tempos, e que então era possível de fato elogiar os norte-americanos capazes de matar pobres coreanos e norte-vietnamitas dedicados às suas plantações de arroz. Do contrário vamos assistir cada uma das cenas como uma crítica, e até como um tipo estranho de humor.
Por coincidência, o mesmo Juca Chaves escreveu e cantou uma música onde se diz: “Lé com lé, cré com cré, um sapato em cada pé”. “Quem nasce pra Eusébio nunca chega a ser Pelé”. “Quem nasce pra lagartixa nunca chega] a jacaré” (Embora oficialmente na música se diga que não se deve confundir crocodilo com jacaré”). Quem, a não ser no ambiente do humor e da música, seria capaz de defender filosofia tão retrógrada? Ela é lançada como humor, mas desconfiamos que a intenção pode ter sido outra.

E para concluir nossas reflexões preliminares sobre os paradoxos, passo a apresentar alguns que eu mesmo compus. Espero que sirvam como incentivo para que o leitor colete ou produza também os seus.

O primeiro, que compus há muitos anos, é o paradoxo dos perdedores inveterados.
Houve uma corrida de cavalos. Ao fim, todos se retiraram, e um dos apostadores, provavelmente viciado em apostas, estava com a cabeça abaixada, entre as mãos, e murmurava: “Eu sou o homem mais azarado do mundo”. Outro dos retardatários, também aborrecido, se aproximou dele e lhe disse: “Não, você está enganado, eu sou o homem mais azarado do mundo”. Não se sabe exatamente o que passou pela cabeça do primeiro, talvez tenha pensado: ah, deste talvez eu consiga ganhar. Ou, se não, pelo menos eu vou lhe dar a alegria de ganhar pela primeira vez. Como? E quase juntos, disseram: então vamos apostar. Vamos apostar quem é o maior perdedor, o maior azarado do mundo. Pode ser em uma próxima corrida, de dez cavalos. Um de nós escolhe cinco, o outro cinco, e um dos dois certamente vai perder e o outro vai ganhar. Ou mesmo já, deixando os cavalos de lado, no par ou ímpar. Deve-se anotar que há um limite. Um azarado que escolher mais de metade dos cavalos, e perder sempre, começa a se aproximar da sorte, a ponto de que se ele escolher nove em dez, e todos perderem, sempre, isto é o mesmo que ter sorte, na prática. Bom, mas nada disto é propriamente um paradoxo, ele só surge a seguir: na forma de uma dúvida, pois aquele que perder, na corrida de cavalos ou no par ou ímpar, é o perdedor ou o vencedor? Conclusão, é impossível apostar quem é o mais azarado, porque o perdedor é o vencedor, ou vice-versa. Em geral, em relação a todos os perdedores do mundo, em se tratando de uma competição, não tem cabimento afirmar que é impossível que alguém fique em último lugar. Se há uma classificação, um está em último lugar. Mas esta lista não pode ser enunciada, ou seja, ela tem de existir, a lógica exige, mas ela não pode ser enunciada, porque no momento em que ela aparece e pode ser lida em um painel, o último lugar se torna o campeão dos perdedores, e não é mais um perdedor, de forma alguma. Ora, isto é paradoxal, por um lado não se concebe que seja impossível fazer uma listagem dos perdedores e olhar para o fim, identificando o último, e por outro o fato de que, embora esta lista seja possível, ela não pode ser enunciada. Este paradoxo não é exatamente o mesmo dos perdedores, pois aquele dizia ser impossível ser feita uma aposta para saber quem é o verdadeiro perdedor, e lá não surgia o conceito de enunciação. Temos, pois, dois paradoxos dentro de um só.

O segundo paradoxo é um adendo ao paradoxo de P. E. B. Jourdain, que em 1913 (Britânica de 1973, Macropédia, vol. 13, p. 356) teria proposto uma carta de baralho que diz, de um lado: “A frase do outro lado é falsa”, e que tem do outro lado, da mesma carta: “a frase do outro lado é verdadeira”. O adendo que eu proponho é outra carta de baralho, onde esteja escrito dos dois lados a mesma frase: “A frase do outro lado é falsa”. Comentário: se uma frase diz que a outra frase é falsa, supondo que uma delas seja verdadeira, a outra é falsa, de fato. Se a outra é falsa, e diz que a atual frase é falsa, então a frase atual é verdadeira. E não parece haver paradoxo algum, pois uma frase ficou sendo falsa e a outra verdadeira. Mas há um problema: as duas frases são iguais. E não parece possível afirmar que duas frases possam ser iguais e ao mesmo tempo uma falsa e a outra verdadeira. Se você me disser que uma delas é falsa e a outra verdadeira, e eu guardo a carta no bolso e a tiro de novo, não há como distinguir qual das duas frases é (era) falsa e qual é verdadeira.

O terceiro é o paradoxo do mineiro (nascido no Estado de Minas Gerais) fanático por queijo. Ele estava mexendo em seus bolsos e encontrou cinco reais. E pensou: se eu tivesse encontrado esta nota ontem, eu teria comprado meio quilo de queijo. Que pena, eu estava com muita vontade, e não consegui achar dinheiro algum. Bom, mas pensando por outro ângulo, foi bom, porque se eu a tivesse encontrado, já teria comido certamente todo o queijo, que já teria acabado. E agora, como eu não comprei queijo algum, nem comi, eu posso comprar e comer, hoje, neste exato momento. No entanto, pensando um pouco mais, se foi bom não ter encontrado a nota ontem, e por isso foi bom não ter comprado e comido o queijo, não há porque pensar que hoje seria diferente. Ou, o que teria sido ruim ontem certamente será ruim também hoje, e o melhor seria não comprar o queijo nunca, e deixar a nota de cinco reais para comprar amanhã, sempre amanhã. Indefinidamente, e assim a nota acaba se revelando algo muito melhor do que o queijo, o que, para um mineiro, mesmo que sovina, é insustentável.

O quarto paradoxo é a disputa para saber quem é o mais humilde, e é uma paráfrase de um trecho dos Fioretti de São Francisco de Assis. Na versão original, São Francisco e Frei Leão estão voltando para casa. São Francisco pergunta diversas vezes a Frei Leão o que os faria mais felizes. E sempre eram coisas muito desagradáveis, que eles fariam por amor de Deus. Frio, desaprovação, humilhação, fracasso. Em nossa versão, paradoxal, São Francisco estaria com Frei Leão – pode ser na mesma situação – voltando para casa. E São Francisco, no seu permanente desejo de louvar a Deus, teria dito: “Frei Leão, estou muito feliz porque Deus me permitiu estar neste momento com a pessoa mais humilde de Assis”. Frei Leão com certeza se sentiria constrangido por receber um elogio destes, do Santo de Assis, e deveria retrucar, que não, que a pessoa mais humilde de Assis com certeza seria São Francisco. Mas não poderia fazê-lo, porque com certeza o mais humilde ficaria engrandecido diante de Deus, tornando o outro de fato o mais humilde. Dizer que o mais humilde era outro seria um ardil muito evidente e soaria como uma ironia. Este paradoxo é muito parecido com aquele dos dois apostadores azarados. Inclusive, fica no ar a pergunta “quais são as disputas paradoxais?”; azarado ou perdedor, humilde, e só, ou existem outras? A ideia de que sejam apenas estas duas parece insustentável. É curioso que em determinado sentido este paradoxo é mais verdadeiro do que o outro, dos perdedores; Frei Leão fica em uma situação realmente paradoxal; se ele aceita o elogio, isto é um absurdo, porque muito mais humilde do que ele é São Francisco de Assis, mas se não aceita entra em uma disputa desagradável e completamente fora de lugar entre dois frades sem dúvida humilíssimos. Qual resposta Frei Leão
poderia dar? Poderia dizer, por exemplo: “Não, as pessoas mais humildes de
Assis são aquelas que não receberam de Deus a graça da vida religiosa, as que
não têm um lar e passam fome”. Provavelmente a grande diferença entre este 27
paradoxo e aquele dos perdedores inveterados é que aqui é impossível ficar
em silêncio, e naquele é possível não aceitar a aposta.

O quinto paradoxo proposto por este autor tem uma estrutura muito parecida com a estrutura do paradoxo proposto por Sade a respeito do adultério. Trata-se da proposta da injustiça fabricada artificialmente para dignificar os habitantes de uma utopia sem injustiça. Eu, como socialista, sinto indignação diante da injustiça. E por isso defendo e sonho com um mundo sem injustiça. Mas eu sei que a experiência da indignação é essencial à formação do socialista. No futuro, como os socialistas poderão se dignificar, se não houver injustiça? Não ficaria assim o mundo melhor e as pessoas piores? Não creio que venha a ser a mesma coisa sentir indignação apenas lendo jornais velhos e assistindo a filmes históricos. Chegaríamos ao absurdo de desejar que no futuro, para dignificar bilhões de habitantes do mundo todo pudesse haver pelo menos uma pessoa injusta e uma pessoa injustiçada, uma vítima que com seu sacrifício dignificaria bilhões? Mas todos sabem que se for fabricada uma injustiça, mesmo que real – e é lógico que a vítima da injustiça deveria ser voluntária, não podemos desejar outra coisa –, ela não teria qualquer efeito, e não traria indignação por si mesma, e ficaríamos indignados sim é se alguém fizesse esta proposta absurda, de fabricar uma injustiça artificial para a dignificação e sensibilização dos seres humanos.
Vamos deixar para outro momento a discussão se o próximo paradoxo, da utopia do casamento, é o mesmo, apenas com personagens trocados, desse, do socialismo. Parecido também com o paradoxo do adultério de Sade. Eu vou me casar com uma mulher maravilhosa. Poucas mulheres há no mundo, com certeza, superiores a ela. O problema não é esse, e sim que estou renunciando a muita mulher. Só na China deve ter mais de um bilhão. Quando vi um programa geográfico mostrando uma chinesa pobre na Mongólia, tive vontade de gastar minhas economias com uma passagem de avião para ficar perto dela. Mas a grande maioria dessas mulheres exigiriam, para aceitar se relacionarem comigo, que eu me casasse com elas. E aí eu ficaria na situação em que eu estou agora. A não ser que eu julgue que é melhor ter a abertura e a possibilidade de todas elas, indefinidamente, do que renunciar a todas menos uma. Por essa razão talvez, por outro lado, o melhor seja eu me casar logo com a minha noiva e parar de pensar bobagens.

O sexto paradoxo, do Íbis Futebol Clube, à primeira vista, é apenas um exemplo do primeiro, da aposta de qual é o maior perdedor do mundo. Mas tem desdobramentos muito diferentes. O Ìbis Futebol Clube já foi, tido como o pior time do mundo. Suponhamos, então, que o futebol pernambucanos esteja mal, a ponto de que a única equipe do estado que tenha alguma publicidade, inclusive publicidade paga, seja o Íbis. Assim surge a inveja de outra equipe, por exemplo daquela que sempre ocupa a penúltima posição nos campeonatos. Podemos imaginar um jogo em que o penúltimo time tenta perder para o Íbis, mas percebe que não adianta fazer corpo mole para se defender porque o Íbis também faz corpo mole para atacar, e não adianta não querer atacar, porque o adversário não se defende. Em vista dessas dificuldades, resolve atacar o próprio gol, mas quem se defende o seu gol de seu horrível ataque é o time adversário. Ou seja, um time tenta marcar gols em si mesmo, e para que isso não aconteça o time adversário é que se vê obrigado a defender o seu gol, em vez de ataca-lo. Tudo invertido. Enfim, aos poucos, todos os times de Pernambuco têm o desejo de alcançar o almejado posto, de disputar a posição de pior time do estado e provavelmente do Brasil e do mundo. E então começam a acontecer jogos em que uma equipe apenas tenta fazer gols no próprio gol, e passa a defender o gol adversário. O grande problema é que no início de cada tempo e depois de cada gol, pelas regras do futebol, a bola é solta no meio de campo pela equipe que sofreu o gol. E se uma equipe pretende chutar contra o próprio gol, a equipe adversária vai ter muita dificuldade para impedir. E assim teríamos estranhas partidas, em que em cada um dos dois tempos uma equipe procura chutar rapidamente contra o próprio gol para fazer o maior número de gols que for possível, porque sabe que na outra metade a outra equipe também vai fazer o maior número de gols que for possível, e que vai ser muito difícil chegar a tempo para impedir. Mas, mesmo assim estranho, é bem provável que a equipe que vai terminar o campeonado em último lugar passe a ser exatamente aquela que joga melhor, e que a pior equipe acabe ficando em primeiro lugar.

O sétimo paradoxo: o amor no espelho. Alguns dos paradoxos que acabamos de apresentar nascem da figura de um espelho na frente de outro espelho. O clássico de Epimênides, os paradoxos das cartas de baralho que se referem à outra face, o de Jourdain e a variante proposta por este autor.
Hegel, no livro Fenomenologia do Espírito, utiliza a expressão “se reconhece na Introdução o reconhecendo”. Para explicar essa figura podemos imaginar que um ser vivo qualquer, por exemplo, um macaco, um macaquinho, está em uma idade em que ainda não percebeu que no mundo há objetos de diversos tipos, e que ele mesmo é de uma espécie que tem outros exemplares, o que significa que ele pode a qualquer momento se encontrar com outros, outros macacos como ele. O que podemos radicalizar imaginando que ele vive sozinho, até aquela data, sem qualquer outro macaco por perto. Um dia ele é levado para um grupo, e de longe percebe algo diferente, algo muito perturbador, que faz com que estes objetos diante dele sejam de uma categoria completamente diferente dos outros objetos. Mas ainda não percebe com clareza do que se trata; em uma sensação de estranheza muito vaga. E então é levado para brincar com um macaquinho de idade próxima à sua. Então, ao se aproximar, outro macaquinho percebe sua presença e olha para ele. Então se reconhece no outro o reconhecendo. Frase que significa muito mais do que o fato de que os olhares se cruzam. A verdade não está nos objetos exteriores, no outro, não está em mim, então ele está nesta relação espelhada, eu e o outro só podemos nos reconhecer na reciprocidade (p. 157). Jorge Luis Borges, em História universal da infâmia, p. 73, nos dá a sua versão de um dos contos das Mil e uma noites (ele diz que se trata do conto 351, mas a numeração varia entre as diversas versões; no Wikipedia consta como conto 352), conta que no Cairo havia um homem antes rico e que agora trabalhava com as próprias mãos, caiu no sono perto de sua figueira, e teve um sonho em que um homem gordo tirou uma moeda de ouro da boca e lhe disse que ele deveria ir para Isfahan, na Pérsia, que ali ele encontraria sua fortuna. Ele fez a longa viagem com grande sacrifício. Em Isfahan foi dormir no pátio de uma mesquita, mas naquela noite houve um assalto e ele foi preso como suspeito. Apanhou tanto que quase morreu. Dois dias depois, quando recobrou os sentidos, foi interrogado pelo capitão e lhe contou sobre o sonho. O capitão riu muito e disse que ele mesmo já tinha sonhado três vezes com um tesouro que havia na cidade do Cairo em uma casa onde havia um jardim e no jardim um relógio de sol, e uma fonte, e debaixo da fonte um tesouro. Não dei o menor crédito a este sonho, enquanto você, filho de uma mula com um demônio, errou de cidade em cidade, guiado apenas pela fé do teu sonho. E o despediu com umas moedas para a viagem. Como ele reconheceu a sua casa no sonho do capitão, voltou ao Cairo e desenterrou o tesouro. Baudrillard, em Da sedução, nos fornece outra figura, complexamente diferente, mas com relações perturbadoras com a que acabamos de relatar. Um cavaleiro andava pelo mercado quando seu olhar cruzou com o de uma jovem. Ele ficou perturbado, pois reconheceu nela a morte. Foi então ao rei e lhe pediu o melhor dos cavalos para viajar o mais rápido possível para o lugar mais longe, Samarkande. Apesar de contrariado por perder o melhor de seus cavalheiros o rei cedeu. Mas mandou procurar a moça do mercado para tirar satisfações. A moça lhe respondeu que não pretendia assustar o jovem, apenas tinha ela também se surpreendido com ele, porque pensou, como será que ele vai conseguir se encontrar comigo amanhã ao meio dia no centro de Samarkande? O que tem a ver esta história com os espelhos? Pouco, aqui se trata de uma linha complicada, mas aqui como lá o fim é exatamente o ponto de partida.
Duas pessoas não só gostam uma da outra, mas cada uma sabe que a outra retribui, na mesma medida. Em um determinado momento, digamos, surge um objeto que não só é desejado por ambas, mas cuja falta traz bastante prejuízo à outra. Digamos que estão em um lugar frio e há apenas um cobertor ou casaco. Se uma delas quiser que o casaco fique com a outra, está desconhecendo que a outra se preocupa também, tanto como ela, com o seu bem-estar. Além disso, dar o casaco à outra significa ficar com algo que vale muito mais do que um casaco: o altruísmo. Assim, ela dá o casaco à outra mas fica com o melhor, e prova que na verdade se preocupa é consigo mesmo. Evidentemente, poderia ficar com o casaco e deixar a outra com frio, mas assim estaria sendo egoísta, e certamente a outra deseja tudo para ela, menos que seja egoísta.
Observação: Pelo menos o paradoxo exposto páginas atrás, sobre o último biscoito do pacote, que deveria ficar naquela posição por sua proximidade com o paradoxo da máquina do tempo, é também da autoria do autor deste livro.

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Paradoxo de Greeling

A version of Russell’s Paradox using words. Some adjectives are self-descriptive, like “tiny”, “unhyphenated”, and “pentasyllabic”. On the other hand, other adjectives are not self-descriptive, like “monosyllabic”, “big”, “tasty”, and “incomplete”. Call the self-descriptive adjectives autological, and the non-self-descriptive adjectives heterological. Now, is “heterological” autological or heterological? If it is, then it isn’t. If it isn’t, then it is. Either way, there’s a paradox

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Errata e revisão do livro “Como gostar de filosofia: os paradoxos de Parmênides e Zenão”.

Nesta janela deve ser colocada a versão do livro sobre paradoxos com as revisões todas, inclusive com novos paradoxos que forem surgindo e sendo incorporados.

na página 30 há um erro gravíssimo. um erro de lógica. pretendo refazer a página quando tiver tempo.

PARA GOSTAR DE
FILOSOFIA:

OS PARADOXOS

de Parmênides e Zenão

Luiz Gonzaga Teixeira

IBRASA – Instituição Brasileira de Difusão Cultural Ltda. São Paulo – SP
ÍNDICE

I – Parmênides …………………………………………. 9

II – Zenão: Aquiles e a tartaruga ………………. 51

III – Zenão: a flecha ………………………………… 61

APÊNDICE

I – O pensamento de Parmênides no seu tempo……………………………. 160

II – Parmênides na minha tese de doutorado ……………………………….. 167

III – O que é topologia……………………………………………………………….171

IV – Os outros dois paradoxos de Zenão: do Estádio e a Dicotomia ….176

V – Fragmentos de Parmênides e Zenão …………………………………… 177

Introdução:

9
1 – O que são (e o que não são) paradoxos

Vamos, nesta introdução, falar dos paradoxos em geral. O motivo principal é afirmar que, embora uma pessoa, como eu, o autor, tenha me convertido à filosofia por um paradoxo, o de Zenão, de Aquiles e a tartaruga, a filosofia é algo muito diferente do que se dedicar a pequenos quebra- cabeças e perguntinhas capciosas. O paradoxo de que vamos nos ocupar depois, a filosofia de Parmênides, no livro propriamente dito, apesar desta forma, de se parecer um pouco com estas brincadeiras, contudo, não é só o maior dos paradoxos, mas é filosofia de verdade.

Epimênides e Eubúlides estariam entre os primeiros inventores de paradoxos. Epimênides¸ no século VI a. C., na Grécia, teria dito: “Todos os cretenses são mentirosos”, com o detalhe de que ele era cretense. Evidentemente, se todos os cretenses são mentirosos, e ele era cretense, ele poderia estar naquele momento dizendo uma mentira, e então os cretenses não seriam todos mentirosos, apenas ele, e talvez apenas naquela exata afirmação. Ou, então, esta frase talvez pudesse ser exposta assim: todos os cretenses são mentirosos, só que mesmo eu, cretense, às vezes digo uma verdade, como esta que estou dizendo agora. Talvez por isso, no século IV a. C. Eubúlides fez um aperfeiçoamento: “Isto que eu estou dizendo agora é uma mentira”.
Há paradoxos mais elaborados, feitos por matemáticos. O leitor curioso pode encontrar os paradoxos de Galileu, São Petersburgo, de Grellings (este é o meu preferido, não o exponho aqui porque me parece um pouco complicado para o formato do presente texto), de Richard, de Cantor. Os paradoxos do infinito, por exemplo, podem ser representados por uma história pitoresca, o hotel de Hilbert: um hotel com infinitos quartos, e que tem na porta infinitos hóspedes querendo um quarto. Como são infinitos quartos, sempre vai sobrar algum, mas como são infinitos hóspedes, sempre vai faltar um quarto.
Sempre gostei do paradoxo: “Se Deus de fato for todo-poderoso deve ser capaz de criar um problema tão grande que ele mesmo não possa resolver”.
Bertrand Russell propôs dois paradoxos, um difícil, que vamos deixar de lado, e o outro, típico e conhecido. Em um vilarejo um barbeiro teria se disposto a cortar o cabelo de todas as pessoas, no entanto se negava
firmemente a cortar o cabelo das pessoas capazes de cortar o próprio cabelo. O paradoxo surge quando sua proposta se aplica a ele mesmo, ao próprio barbeiro: ele era o único barbeiro, mas se ele cortasse o próprio cabelo,
10 estaria descumprindo seu propósito de só cortar o cabelo daqueles que não
pudessem cortar o próprio cabelo. Este paradoxo é tão popular que eu já o tinha ouvido – a ponto de ter ficado surpreso quando me reencontrei com ele em um livro – em uma versão um pouco diferente. Um capitão achou que os soldados do seu batalhão estavam com os cabelos muito longos. Então perguntou se algum dos soldados era barbeiro, e lhe pediu que cortasse o cabelo de todos. “Tudo bem”, ele teria dito. “Mas vou cortar apenas o cabelo daqueles que não sabem cortar o próprio cabelo”.

Em princípio, os paradoxos nada mais são do que brinquedos: brincadeiras lógicas, inocentes e inconsequentes. E é desta forma que devem ser encarados, para que funcionem como um espaço de experimentação e capricho.
Qualquer pessoa pode se dedicar a colecionar paradoxos.
Eu não conheço um texto que tenha se proposto a fazer um levantamento sistemático de todos os paradoxos conhecidos. Mas, pelo título, alguns livros se propuseram a tarefa semelhante. Talvez não tenha procurado sistematicamente, mas na Internet e nos livros que utilizei não havia muita coisa. Os que estão mais próximos disto, como os de Quine e Ryle, por exemplo, na verdade se dedicam pouco à exposição e muito mais a uma análise, que, no entanto, não se propõe a ser muito detida. Seria muito interessante. Alguns paradoxos são bastante populares. O número é muito grande.
Um estudo que fizesse uma classificação rigorosa, com fronteiras claras, seria muito útil: oxímoros, contradições, antinomias, falsídicos, loopholes (Quine, p. 5), falácias, tautologias, jogos lógicos, quebra-cabeças lógicos, pegadinhas matemáticas e de linguagem… O artigo de Quine, The ways of paradox, se dedica a conceituar e estabelecer algumas fronteiras na grande família dos paradoxos, mas nós não vamos seguir suas sugestões. Para nós, sem penetrar pelas dificuldades do problema, paradoxo é apenas uma história aparentemente sem solução, ou uma história que abre uma discussão sobre a impossibilidade de uma solução. Se não houver de fato a possibilidade de um problema sem saída, uma discussão com bons advogados de ambos os lados, não há paradoxo.
O livro de Hayden e Picard, This book does not exist, discute a definição de paradoxo. Ali podemos encontrar muitos paradoxos, e embora quase todos sejam conhecidos, é muito válido o esforço destes autores, principalmente
no sentido da popularização. Mas, na minha opinião, eles cometem alguns erros. Por exemplo. Eles se desculpam por incluir dois conhecidos problemas
de matemática, que apresentamos poucas páginas adiante: os dois problemas 11
da moeda que falta, quer dizer, em que no fim aparentemente sumiu uma
moeda; um deles é a história dos três viajantes e o outro é o da menina que vende maçãs. Ora, de fato, nenhum dos dois são paradoxos legítimos, plenos, são falácias. Mas pedir desculpas não faz sentido, porque os dois casos, principalmente o da menina com as maçãs, põem advogados de ambos os lados, e não podem ser resolvidos de imediato. Assim, são problemas que têm lugar legítimo em um espaço dedicado aos paradoxos. Além disso, neste livro estes autores apresentam, agora sem se desculpar, diversos problemas, alguns dos quais são e outros não são paradoxos, nem levantam a suspeita de serem. Vejam um exemplo. Uma pessoa fica em um quarto com os olhos vendados, uma sala em que o chão está numerado de 1 a 9, três filas de três da esquerda para a direita e de cima para baixo. Esta pessoa deve se movimentar duas vezes, para um lado, acima, abaixo, esquerda ou direita, e descobrir em qual posição se encontra, de 1 a 9. Ora, este é um problema matemático, nem se pode dizer que seja candidato a paradoxo. Mas o seguinte é um paradoxo legítimo. Platão guarda uma ponte por onde Sócrates pretende passar, e lhe diz: “Se me disser algo verdadeiro eu o deixo passar, mas se disser algo falso, eu o jogo debaixo da ponte”. Sócrates diz: “Você vai me jogar debaixo da ponte”. E Platão não sabe o que deve fazer, fica em uma situação paradoxal, porque, se joga Sócrates debaixo da ponte, isto significa que o que ele disse é verdadeiro.

Aqui se abre um espaço para um tipo peculiar de paradoxo, para os quais vamos sugerir, desde já, o nome de insignificante, ou, mais precisamente, paradoxos do insignificante. É difícil afirmar que são paradoxos contra os que afirmarem que são, na verdade, apenas contradições do insignificante. Pode-se sustentar que estes paradoxos não são mais do que tautologias (afirmação que é verdadeira em si mesma, não dependendo de confirmação do lado de fora, e que, portanto, não pode ser falsa em hipótese alguma) do que propriamente paradoxos. São paradoxos ou contradições apenas em um significado particular: são discursos que não dizem coisa alguma, ao contrário do que se espera de um discurso.
O caso mais simples, e portanto ontológico, parece ser a própria palavra “insignificante”. Nos inícios do cristianismo, a acusação mais terrível que se podia fazer a qualquer pessoa talvez fosse “desgraçado”, ou seja, aquele que não tem a graça de Deus, aquele para quem Deus virou as costas. Hoje, em uma época estruturada sobre a linguística, mais terrível é ser insignificante. Não se deve confundir a palavra insignificante com aquilo que ela denomina, o objeto insignificante. A palavra insignificante significa, de fato, alguma coisa, em princípio. Todos sabem da importância da invenção do número zero na matemática. O zero não é um número que não significa coisa alguma, ele é um número que significa algo: coisa alguma. No caso do insignificante isso é um pouco mais complicado, porque esta palavra designa algo que talvez não exista, que talvez seja um paradoxo, um objeto que não significa nada. No entanto, por fora, o insignificante é suspeito de carregar o significado mais determinante. A dúvida e o erro, os pobres, aqueles que não têm voz têm a pretensão de ser o lugar, pelas beiradas, onde se pode encontrar o significado do nosso tempo.
A sabedoria popular nos faz suspeitar de que todas as plantas e todos os fluidos ou pós que se possa extrair da natureza ou de nossa capacidade inventiva servem para algum fim medicinal, para pelo menos um fim, embora geralmente para muitos fins. Mas em toda sabedoria há uma exceção, o sassafrás, que se não faz bem, mal também não faz. Aqui a sabedoria medicinal se curva diante dos interesses pela rima.
Há uma categoria de curiosidades que têm uma semelhança, embora discutível, com os paradoxos do insignificante, são os paradoxos do vazio. João Guimarães Rosa, no prefácio do livro Tutameia, apresenta uma categoria destas curiosidades lógicas, sem nome consagrado, cujo centro é o conceito de vazio. Vazio que é sinônimo bastante imperfeito de tutameia. Não só o prefácio deste livro gira em torno do vazio, mas todo o livro apresenta as suas diversas facetas, inclusive o fato de a linguagem deste livro ser incompreensível parece ser um elemento importante para colocar a ideia de um discurso que se refere ao vazio. O conto Hipotrélico traz a discussão para a linguística, quando apresenta este vocábulo suspeito – e é importante que seja suspeito e que se levante uma pesquisa – de não se referir a coisa alguma. Ai de quem não aceita sem discussão e se insurge contra a existência de uma palavra sem significado, esta pessoa também não passa de um hipotrélico. O próprio leitor fica temeroso de merecer esse terrível adjetivo. Entre os casos ou piadas deste prefácio vamos citar apenas uma. Alguém entra em um bonde vazio e fica exatamente debaixo da única goteira. O condutor lhe pergunta por que não troca de lugar. Ele pergunta: “Trocar com quem?” Contenho a tentação de reescrever outros casos aqui; em vez disso prefiro aconselhar ao leitor que confira pessoalmente.
Desta categoria também é a conhecida canção infantil de Vinícius de Moraes sobre uma casa sem paredes, teto, telhado, cujo endereço é a Rua dos Bobos, número zero. Na infância me lembro vagamente de um programa humorístico em que um personagem não conseguia compreender como se podia erguer uma estátua ao soldado desconhecido.
Ainda da infância, me lembro de uma história de louco no estilo da Tutameia de Guimarães Rosa e de Vinícius de Moraes. Um louco ficava o dia todo apanhando com as mãos o que pareciam ser moscas invisíveis. Alguém chegou perto e lhe disse, o que você está pegando o tempo todo? Inhanha. Isso não existe. Como é que são essas inhanhas? Não sei, ainda não peguei nenhuma, mas quando pegar eu lhe mostro.
Assim como a palavra insignificante é uma espécie de engodo, pois ocupa um espaço para dizer que não significa coisa alguma, podemos passar agora ao discurso vazio, que diz exatamente que nada tem a dizer.Em princípio, o caso seguinte é apenas um caso de discurso insignificante. Ele nos é apresentado por Hayden e Picard, na página 50 do mesmo livro já citado: “Senhoras e senhores, não se preocupem, porque não vou tomar o seu tempo fazendo um longo discurso. Vou apenas fazer um cumprimento, que vai ser seguido de um pequeno comentário, e depois vou me despedir. Boa noite”. Mas, na verdade, ele abre a porta para uma categoria mais bem definida: o paradoxo dos discursos que terminam inesperadamente, um pouco antes do previsto. Outro caso, deste tipo, me foi contado como uma história verídica do meu tio Amir. Uma visita desejava assistir à missa no domingo, mas temia encontrar um daqueles padres que fazem um sermão longo e insuportável. O meu tio lhe disse que conhecia um padre que subia muito rapidamente ao altar, de costas para os fiéis, bebia o vinho e ia embora. Estes dois exemplos abrem uma espécie de concurso, para saber em qual dos casos foi possível encerrar antes o discurso mal aberto. Um concorrente foi proposto em uma tirinha de jornal estrelada por um mau-caráter: Zé do Boné. Saindo do campo de futebol ele disse: “Acho que acabo de bater algum recorde, fui expulso no aquecimento, antes do jogo começar”. Este exemplo parece vencer seus concorrentes deste ponto de vista, termina antes mesmo de ter começado. Na mesma festa em que foi proferido o discurso curtíssimo, um dos participantes toma a palavra e diz: “Eu só queria dizer uma coisa”. Para não deixar por menos, outro participante levanta a mão e diz: “Eu só queria dizer duas coisas, boa noite”. O conjunto de música cômica argentino, les Luthiers, apresenta uma música que concorre com a famosa “Valsa do Minuto”, de Chopin, é a “Valsa do segundo”. Apesar disso, não se pode aceitar como certo que uma pessoa que dá uma volta e chega ao mesmo lugar de onde partiu não tenha dado um recado. Isso fica claro em um dos inumeráveis casos em que um discípulo oriental conversa com seu mestre: Mestre, o que devo fazer para ser feliz? Fazer boas escolhas. E como eu devo me garantir para fazer só boas escolhas, mestre? Usando a experiência. E como eu devo fazer, mestre, para adquirir experiência? Más escolhas.

Tomando um desvio desta linha, ainda dentro do conceito dos paradoxos do insignificante, vamos encontrar a conhecida canção folclórica francesa (“Quand trois poules vont au champ”): quando três galinhas vão ao campo, a primeira vai na frente, a segunda segue a primeira e a terceira vai atrás. Ou, ainda, o famoso ‘’o que é que é”: por que as galinhas sempre atravessam na frente dos automóveis? Para chegar do lado de lá. Esta história, com uma única galinha, é superior pela simplicidade. A outra utiliza as três galinhas para criar um suspense que, ao fim, merece a fórmula proposta por António Sousa Dias: enervante tautologia. As galinhas têm independência, uma lógica própria, a lógica da mais absoluta simplicidade, isto é o que parece significar a sua presença nestas duas imagens.
Não pode ainda deixar de ser mencionada uma história que conheci através do humorista Tiririca (Francisco Averardo Oliveira Silva) na televisão. Eu estou criando umas vacas lá no nordeste. Metade delas é holandesa, com pintas marrons. E a outra metade? É holandesa também, com pintas marrons. Metade delas a gente cria dentro de um estábulo, para se protegerem do sereno de noite. E a outra metade? Também, vivem junto dentro do estábulo. Metade delas gosta muito de lamber sal, é muito bom pra saúde. E a outra metade? Lambe sal também. Olha, por que é que você separa metade das vacas, se a outra metade é sempre a mesma coisa? Ah, é porque as vacas dessa metade que eu separo são minhas. Entendi, não tinha14 pensado nisso; (silêncio, com rápida reflexão) e as vacas da outra metade, são de quem? São minhas também.
Principalmente em alguns destes casos, o que se pode dizer é que trata-se de idiotas, pessoas que se enrodilham em problemas extremamente simples da lógica ou do discurso. Talvez, mas se o personagem principal revela certa limitação intelectual, o mesmo não se dá com a pessoa que ouve e depois repete a história, pois ele teve a inteligência de perceber e de valorizar a liberdade e autenticidade destes personagens, liberdade efetiva de andar em fila indiana pelo campo, de atravessar a rua por um motivo pífio, de exercer seu direito de proprietário ao dividir “suas” vacas em quantos grupos desejar pelo motivo que considerar interessante. Ou seja, quem repete a história brinca com o ouvinte, enuncia e cria expectativas que são em seguida frustradas e assim irrita quem pretende ser inteligente a ponto de ter a arrogância de adivinhar mais do que foi anunciado. O paradoxo do insignificante lembra e deve ser comparado com o famoso paradoxo de Eubúlides (“O que estou dizendo agora é falso”), e, acredito, trata-se de um paradoxo mais profundo, e deveria ser assim enunciado: “Neste momento o que eu estou dizendo é coisa alguma, não estou dizendo nada”.
Tancredo Neves foi um dos maiores políticos brasileiros de todos os tempos. Em sua carreira extremamente longa, dizem as más línguas, se especializou em fazer longas declarações que diziam todas em resumo coisa alguma. Mas é da mesma nossa Minas Gerais que nesse sentido provém a frase mais conhecida, atribuída ao interventor Benedito Valadares: “Não sou a favor nem contra, muito pelo contrário”.
Seria interessante pesquisar em outros países, em outras culturas. No Brasil temos diversas expressões curiosas, na cultura popular, que em grandes linhas põem lado a lado duas coisas contrárias, opostas, paradoxais: sovaco de cobra, golpe do João sem braço, a volta dos que não foram, em casa de ferreiro espeto de pau, amarrar cachorro com linguiça. Mais fácil do que empurrar bêbado na descida, sopa de minhoca, mamão com açúcar, chover no molhado, dar milho pra galinha, trocar seis por meia dúzia são exemplos de uma categoria que, embora formalmente sejam o contrário das contradições, pleonasmos, tautologias, no conteúdo também são contradições, pois significam o equívoco de se tentar um resultado sem alterar nada. E assim devem ser ideias colocadas logo depois das contribuições mais famosas de Tancredo Neves e de Benedito Valadares.
O exemplo a seguir é interessante porque abre uma categoria que relaciona esses discursos contraditórios com os discursos que se anulam, ou seja, os discursos insignificantes (como daquela pessoa que afirma que vai falar pouco, boa noite). Eu contar agora todas as aventuras que eu já tive com diversas mulheres na minha vida. Até a data em que conheci a minha esposa, que está aqui do lado ouvindo. Porque a partir dessa data não adianta nada falar nada, pois se eu tivesse vivido alguma aventura sexual, eu não contaria mesmo. Assim, eu não tive de fato aventura alguma, mas não posso encontrar uma forma de dizer isso sem parecer mentiroso. Assim sendo, prefiro não falar nada a partir dessa data.

O que não são paradoxos. As tautologias são praticamente o oposto dos paradoxos (no paradoxo uma solução é impossível, sempre dá errado, na tautologia sempre dá certo, por isso é uma idiotice). É preciso assinalar que as três galinhas passeando pelo campo é uma falsa tautologia, pois esta e outras da mesma categoria não chegam mesmo a fazer uma afirmação. Uma tautologia mais genuína afirma algo que não pode ser falso em hipótese alguma. Por exemplo, uma pérola coletada por Stanislaw Ponte Preta em Febeapá: Festival de besteiras que assola o país: “Todas as pessoas que fumam acabam mais cedo ou mais tarde morrendo por causa do cigarro, a não ser que outra doença o mate primeiro”. Aqui, ao contrário das afirmações anteriores, o autor não prega uma peça no ouvinte, mas ele mesmo é vítima de um equívoco. Quem tem a função de perceber o equívoco é o ouvinte.
Existe um termo em francês, lapalissade, em homenagem a Jacques de la Palice (1470 – 1525), que se refere a tautologias extremamente óbvias. Trata-se do correspondente tautológica aos oximoros, ou seja, assim como as contradições muito simples são chamadas de oximoros, os pleonasmos ou tautologias muito simples são chamadas de lapalissades. A mais conhecida é “quinze minutos antes de morrer ele estava vivo”. No entanto, no filme estrelado por Fernandel, François 1er, de 1937, com direção de Christian-Jaque, o próprio La Palice apresenta um exemplo mais exato: como tem gente nesta sala, se mandassem a maioria embora a sala ficaria mais vazia. No futebol o comentarista vaticina: vai levar a vitória pra casa o time que ao fim da partida tiver feito mais gols que o adversário. Nesse país temos os ricos, temos os pobres, e temos a classe média, que não é nem rica nem muito pobre. Diz-se que Geraldo Bretas, famoso comentarista de futebol brasileiro, teria dito o seguinte. O jogo está dois a zero e faltam só dois minutos para acabar, então, com certeza, a vitória está garantida, a não ser que o outro time marque um gol exatamente agora e que depois, em menos de dois minutos, ainda consiga marcar outro.
Talvez a mais simples e conhecida das afirmações inúteis ou insignificantes sejam as identidades. No entanto, muitas vezes, quase sempre, as identidades pretendem dizer algo mais do que dizem explicitamente. Por isso deveriam se chamar de falsas identidades. Ou, já que estamos neste pedaço do livro, de falsas lapalissades. Dizem o óbvio, mas uma análise mais detida vai revelar uma sabedoria oculta. O que é é, um começo é um começo, um homem é um homem, uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa ou, do futebol brasileiro: clássico é clássico, e vice-versa.

Existe um tipo de engodo relacionado com taxonomias, classificações, listagens, em que um dos elementos, não necessariamente o primeiro, desautoriza os demais. E assim a estrutura da listagem perde o sentido. É o caso de uma anedota que se conta sobre Napoleão. O exército francês, ao invadir a Alemanha, geralmente era recebido com festas, o que incluía o toque dos sinos. Em uma pequena cidade, os sinos não tocaram. Napoleão pediu que o padre local fosse trazido à sua presença. “Não toquei os sinos por três motivos”, disse o padre. “O primeiro é que não temos sinos”. Napoleão pulou da cadeira e disse: “Se você disser os outros dois motivos, eu o mando fuzilar agora”. Mas o padre poderia ter começado da outra ponta, poderia ter dado até mais razões para não ter tocado o sino, e no fim pediria licença para acrescentar um pequeno detalhe, não existir o sino. Dá mais ou menos na mesma. Uma amiga minha tinha tanto pavor de ter um filho que tomava três providências, pílulas anticoncepcionais, dispositivo intrauterino, ou Diu, e não tinha relações sexuais de jeito nenhum. Graças a este expediente hoje ela tem duas lindas filhas, razão de sua existência, em suas próprias palavras. Outro caso se refere a um processo, nos Estados Unidos, em que o advogado de defesa argumentou que o cachorro do seu cliente não tinha mordido sua vizinha por dois motivos, um, porque ele não tinha nenhum cachorro, segundo, que o seu cachorro era muito manso e nunca mordeu nem morderia ninguém, que era invenção da vizinha. O motivo seria de que o sistema judiciário só permitia o recurso para o caso de uma derrota no primeiro se o segundo item já constasse na primeira redação do processo. Mas este caso é praticamente o mesmo da famosa contradição espanhola: “Não creio nas bruxas, mas que existem, existem”, que não tem a estrutura de uma listagem.
E ainda um último exemplo de taxonomias em que um dos itens elimina a utilidade dos outros. Ele encontrou uma namorada que utilizava outro alfabeto, uma chinesa, ou japonesa, russa, indiana ou árabe. Depois de alguma conversa tudo indicava que entraram no automóvel para encontrar um motel. Mas passaram diante de uma placa que indicava a rua e o motel que procuravam. Ele disse, hei, vc. passou na frente da placa da rua e do motel e não virou. E agora? Resposta. Primeiro, eu não compreendo o alfabeto que vocês utilizam aqui, não compreendo uma única letra. Segundo, eu fico muito feia de óculos, tenho cinco graus de miopia, e não enxergo um metro na frente do nariz. E terceiro, jamais me passou pela cabeça ir ao motel com você.
Ou seja, há falsas taxonomias porque um dos itens está em contradição com o outro ou outros, e há aquelas em que cada item é tão absoluta que outro item é inútil.

Aqui não há espaço para uma análise mais detida, mas podemos pedir ao leitor que atente para como são diferentes os seguintes casos, os quais não passam de simples contradições.
O que acabamos de ver também podem ser consideradas simples contradições, mas que se apresentam com a estrutura de uma listagem. Somente por isto é que se aproximam da categoria do insignificante, pois são uma lista que acaba não sendo lista alguma.
Uma destas contradições é o ditado brasileiro de que “para bode velho capim novo”. Contradição seria dizer para bode velho capim velho, isto sim não faz sentido, ou seja, a aparente contradição nada mais é do que bom senso. A lógica aponta para um lado mas aponta para o outro lado também. Quem rouba de ladrão: tem cem anos de perdão ou merece dupla condenação? Em termos de culpa, um roubo anula outro, no primeiro caso, ou deve ser somado e assim virar dois? Qual é mais lógico?
Outro exemplo é a ideia de Sade colhida por Barthes no livro Sade, Fourier, Loyola: a Igreja Católica é fonte de sofrimento, atraso, por causa de seu moralismo. A melhor coisa do mundo é o adultério. Mas não pode haver adultério sem Igreja Católica e sem o casamento. Então, viva a Igreja Católica, que continue para sempre. Outra contradição, bastante semelhante a esta, é uma piada. Uma prostituta se arrepende e resolve ser freira. Pouco tempo depois está de volta à prostituição. Uma colega lhe pergunta: gostou da Igreja? Não. Mas não tinha nada de bom? Tinha; eu já experimentei de tudo sobre sexo, mas lá eu fiz a coisa mais gostosa que existe, esta coisa faz até um olhar ser mais gostoso do que todos os bacanais ou posições. Se chama pecado. Que coisa mais gostosa. Um conhecido conto de Machado de Assis nos alerta sobre uma possível religião do diabo, que prega o mal: as pessoas aos poucos começam a fazer o bem às escondidas (“A Igreja do diabo”, do livro Histórias sem data, São Paulo, Ática, 1998). Só, pessoalmente, não gostaria de ser o responsável por o leitor vir a ler exatamente este conto de Machado de Assis, que tem dezenas de contos muito superiores. Na humilde opinião deste autor, evidentemente, que nunca foi crítico literário. Mas há diversos casos exatamente sobre este tipo de contradição. Meu pai contava sempre a história de um menininho que cortava lenha para seu pai (pai do menininho) e ganhava como prêmio um pedaço bem fininho de queijo. Um dia o seu pai resolveu lhe dar um queijo mais grosso e o menininho começou a chorar. O motivo é que ele gostava de olhar a paisagem através dos buracos no queijo, e isto era impossível com a fatia mais grossa. Evidentemente, o meu pai contava esta história sempre que eu pedia um pedaço maior de qualquer coisa. É curioso que em outra versão, igualmente caipira, desta história, o paradoxo ou contradição é menos evidente. Uma amiga minha contava que em sua casa, muito pobre, a toalha era um pano simples de algodão, sacos alvejados, só com um arremate nas beiradas. Depois a situação melhorou e puderam comprar toalhas mais felpudas, mas todos sentiram falta das toalhas antigas porque com as novas era impossível enxugar o fundo da orelha.
Alguém ouvia uma pessoa dizer que tinha esta doença, e também aquela, e que sentia uma dor, um mal-estar. Ela o interpelou: você não acha que sua verdadeira doença é ser hipocondríaco? A resposta: de forma alguma, esta é a única doença que eu não tenho.

As próximas histórias são ligeiramente diferentes, porque não exploram a convivência de dois traços contraditórios, e sim a possibilidade da sequência, em momentos diferentes, de duas situações contraditórias. Um conhecido detestava músicas do Roberto Carlos, o que lhe deu uma boa ideia para vencer a solidão e o tédio nas tardes de domingo: ele colocava um CD do Roberto Carlos, e quando faltava uma única faixa ele desligava, e assim, dizia ele, se sentia muito feliz. Tanto por cessar a tortura, quanto por se ver livre de ouvir a última faixa, pelo menos. Que é praticamente o mesmo caso do louco que batia na cabeça com um martelo; questionado, ele afirma: você não imagina como é gostoso quando eu paro. O trabalhador que ao se aposentar descobre que está privado de uma das maiores delícias do trabalho, a falta, o sábado, domingo e feriado; a falta não existe mais e os feriados, embora continuem existindo, perderam a graça. Estas contradições talvez se resolvam, todas, com a afirmação de que é muito compreensível que as pessoas sintam prazer em tirar férias e que isto tem um sabor especial quando se trabalha, em casar e em ficar longe do marido ou esposa, em desligar uma música ruim mesmo que para isto seja necessário ouvir algumas faixas, em ter uma religião mas também em cometer alguns pecados, em poder odiar os burgueses embora para isto seja conveniente que existam; ou seja, compreendendo este lado do ser humano, não há contradição alguma.
O seguinte paradoxo se parece com os anteriores, mas é o seu oposto. Trata-se de uma ideia de Jacques Prévert: nós conhecemos a felicidade pelo barulho de seus passos quando ela está se afastando. Que vamos colocar na companhia, para depois justificar, de dois paradoxos ou contradições devidos a Fernando Pessoa: “E eu era feliz? Não sei. Fui-o outrora agora”, e a neve vista “por trás da vidraça de um lar que nunca terei”. Primeiro, dois parágrafos atrás, a felicidade surge apenas como o alívio quando algo ruim chega ao fim. E só somos felizes porque deixamos de ser infelizes, mas aqui, pela sugestão de Prévert, somos felizes quando deixamos de ser felizes, ou melhor, ficamos felizes porque percebemos que éramos felizes e não sabíamos. E aí nos aproximamos do outro grupo de paradoxos de Fernando Pessoa: somos felizes-agora, mas só depois, depois somos infelizes. Felizes retroativamente. Só por esse ângulo Prévert e Fernando Pessoa dizem a mesma coisa: a felicidade só existe retroativamente. Quando está indo, ou quando já foi embora. De costas pra mim e se afastando.
Existe também outra série de contradições, com aspectos paradoxais, que embora explorem listas ou sequências, de certa forma são o oposto destas, pois aí se descobre não o quanto é bom acabar o que é ruim, e sim que o ruim depois parece ter sido bom. Todos eles derivam, mais ou menos, do conhecido paradoxo da máquina do tempo: alguém consegue entrar na máquina do tempo e destrói a própria máquina. Este tipo de paradoxo é um loop que se desfaz, um anti-loop. Ou, em uma versão mais radical, o criador da máquina volta ao passado e impede o namoro de seus pais, e desta forma não nasce. Ou, ainda, em uma versão mais prosaica. Todos sabem que o biscoito mais gostoso do pacote é o último. Uma pessoa, tendo uma máquina do tempo, volta ao passado e, olhando para os biscoitos bem antes de se acabarem, identifica o último, já que ele veio do futuro, e o come, já que é o mais gostoso. Sem dúvida as músicas sertanejas brasileiras apontam para um rumo muito diferente. Minha esposa querida, namorada, casa, “meu sertão querido, vivo arrependido por ter te deixado”. Mas se até hoje eu estivesse lá no interior estaria infeliz, imaginando o quanto aquelas mulheres de comportamento cosmopolita vistas pela televisão teriam sido maravilhosas se eu tivesse saído de lá. É certo que no interior temos também piscina, margarina e gasolina, mas no conjunto elas não chegam a mudar, só arranham, a estrutura biológica da vida. Foi preciso ter rompido, ter partido, para descobrir, na dor, que devia ter ficado. Foi preciso ter me tornado adulto para, com Fernando Pessoa, descobrir que eu fui feliz outrora – agora. Sempre que for possível, é só voltar, mas tendo partido eu é que me tornei inadequado, talvez pior, mas não exatamente. As mulheres envelhecem, as cidades não necessariamente. Eu envelheci, com certeza. Mas pessoalmente acho que não se deve taxar de impossível, sempre, visitar os seios de Duília (Aníbal Machado). Só porque ela tem um dente amarelado? Talvez seja mais masoquismo do que impossibilidade. Enfim, trata-se de uma contradição querer ter continuado no interior, criança, ignorante, porque então eu seria feliz, mas seria feliz exatamente porque, talvez, não tivesse senso crítico para perceber o quanto era infeliz.
Salomão Schvartzman, um comentarista e filósofo do cotidiano e da política brasileira, afirma: na atual situação da política brasileira quem não está confuso com certeza está mal informado. Duby no livro sobre Guilherme Maréchal dá a entender que até podemos admirar pessoas que têm sua força em não sofrer as comichões da autocrítica. E também Paulo Freire (em Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, página 27), quando para afirmar a mesma característica sugere a imagem de uma pessoa que sofre de “falta de dúvida”.
18 Aos quinze anos, me lembro vagamente, fui à casa de um poeta em Goiânia. Parece que ele morava em uma república, com outros jovens. Me lembro de ter folheado um livro pequeno, que seria o seu livro recém publicado. E vi na cabeceira da sua cama um quadro com um poema de Fernando Pessoa, que memorizei involuntariamente. Dizia: “Dorme, que tudo é vão. Dorme, que a vida é nada. Se alguém encontrou a estrada, encontrou-a em confusão, com a alma enganada” (Na verdade, a memória funcionou bem, mas não foi perfeita, pois a redação de Fernando Pessoa de fato é esta: “Dorme, que a vida é nada!/ Dorme, que tudo é vão!/ Se alguém achou a estrada,/ Achou-a em confusão,/ Com a alma enganada”). Em todos esses casos se trata de uma crítica a uma sabedoria certa em si mesma, mas equivocada por não saber encarar a dúvida. Se a formulação utilizada por Fernando Pessoa fosse esta outra: “alguns podem ter encontrado a estrada, mas foram os confusos ou enganados, pois os lúcidos estão perdidos”, teríamos o mesmo conceito apresentado por Salomão Schvartzman.
Um dia destes, provavelmente em setembro de 2009, deparei com uma contradição de outro tipo. Coloquei o pé para subir no ônibus e uma senhora deu sua última baforada no cigarro atrás da minha cabeça, já que dentro do ônibus é proibido. Eu fiz uma careta horrível e virei o rosto. Ela disse: “será possível que agora nem na rua é permitido fumar?”. Eu não disse nada, mas pensei: talvez ela queira uma lei que diga que na rua é permitido fumar, mas proibido fazer careta. A sua contradição só não é maior do que a minha, que eu só percebi dias depois pensando no caso. Porque na verdade a lei deveria ser assim: na rua é permitido fumar, proibido fazer careta e também proibido dizer “Será possível que agora nem na rua é proibido fumar?”. Enfim, não há contradição alguma, na rua é permitido fumar, permitido fazer careta e permitido falar praticamente qualquer coisa. E tudo está resolvido.
Essa história abre um tema que geralmente se chama justificativa nos trabalhos acadêmicos. O trato com os paradoxos podem nos tornar mais sensíveis e mais espertos na detecção de paradoxos, muitos deles ocultos. Basta citar um exemplo. Tomemos a seguinte piada de português. Um português tinha um armazém e recebeu a visita de um amigo brasileiro. Em um determinado momento ele o leva para o depósito, para lhe mostrar os mantimentos e outros produtos dispostos nas prateleiras. O amigo observa: nossa, como você vende sal, aqui tem muito sal armazenado, não sabia que um armazém vendia tanto sal. O português responde: como vocês brasileiros são burros: eu não vendo sal, vendo muito pouco, se vendesse muito não estaria com todo esse estoque correndo o risco de se estragar. Até aí, tudo bem, trata-se de uma piada. No entanto, a mesma estrutura aparece em um fato muito mais corriqueiro e sutil. Uma pessoa recebe a visita de um parente, e ambos examinam a sua casa e propriedades. O parente comenta: como você está bem de situação. Conseguiu comprar esse automóvel, que é muito caro. O nosso personagem abaixa a cabeça: é aí que você se engana, estou muito mal, pago esse automóvel e quase não sobra dinheiro pra comprar comida. Quem não conhece a piada do português que não vendia sal corre o risco de não perceber que aí está escondido o mesmo paradoxo. Quase idêntico.

Alguns desses exemplos já citados, e alguns que vão aparecer adiante, abrem uma categoria que podemos chamar de contradição estrutural. Ou seja, não se trata apenas de dizer duas coisas que não podem conviver no mesmo espaço, e sim de dizer algo que não admite aquela estrutura do discurso. Os exemplos de Epimênides e Eubúlides são o caso mais importante, mas o caso de Napoleão e os sinos também. Lista de compras: camomila, borracha para consertar a torneira, pastilhas Valda, passar no técnico pra ver se a televisão está pronta, alicate, não esquecer de levar esta lista, três batatas. Placa na frente do Mobral, campanha do governo para a alfabetização: na sala B1-23 os que já sabem ler um pouco, e na sala A3-27 os que não sabem ler. Acrescente-se, mentalmente: que não sabem ler nada, nem mesmo esta placa. Quando uma pessoa diz para a outra “surdo”, que é sério candidato a paradoxo mais curto, ela, na verdade, está dizendo que o ouvinte é um pouco surdo, por isso tem que falar um pouco mais alto. Da mesma forma se alguém escreve em um papel “analfabeto” e esfrega no nariz do outro, não está necessariamente chamando a si mesmo de idiota, mas está querendo dizer que o outro lê, mas lê mal. Outro caso pitoresco, fruto da tão comum experiência com o casamento, só que neste caso mais candidato a paradoxo do que a contradição, é o seguinte. O marido diz para a esposa: você não concorda com nada que eu digo. Se ela diz “Que absurdo, é claro que concordo com você”, no fundo ao discordar está concordando com ele, pelo menos naquele momento, e, se abaixa a cabeça, concordando, está na verdade discordando. Sem saída, ela pode dizer apenas: “Que absurdo, não é verdade”, mas com um sorriso irônico nos lábios. Ou, o que dá na mesma, ela pode ser mais explícita, e dizer com o mesmo sorriso irônico: “Como, claro que concordo com você: tudo que você diz é sempre correto?”.
Vi há alguns anos na televisão uma moça gaúcha, bonita, que mostrava sua fazenda, com muitas vacas e cavalos. “Estas são as coisas que eu mais amo na vida, ela dizia, o gado e os cavalos. Bom, gosto muito também de um churrasco com os amigos”. Essa contradição abre uma porta para toda uma categoria de contradições, aliás, bem do gosto popular, que são as contradições entre o conteúdo e a forma. A contradição da moça gaúcha, é bom deixar claro, abre esta porta, mas não se inclui nesta categoria. Vou citar apenas três casos e comentar logo em seguida. “(Nós somos é) Chique no úrtimo”, “Herrar é umano” e “É a ingnorança que astravanca o progresso”. Nos três casos, e até no caso da gaúcha que gostava de vaca e churrasco, o falante postula uma posição sofisticada, mas se trai pelo próprio discurso. Mas sempre alguém há de dizer que não há contradição, principalmente nos dois últimos, porque se o erro se justifica, se justifica também na presente frase, e, no segundo caso, essa frase é uma demonstração do quanto a ignorância está disseminada pela sociedade. Há muitos ignorantes, eu inclusive sou.
Barthes, na parte sobre Fourier, do livro citado na bibliografia, afirma que Fourier incorre em uma contradição mais comum entre fofoqueiras. Do tipo: “Eu detesto falar mal das pessoas, e nunca ia falar mal da fulana, que é muito amiga minha, mas, meu Deus, o que é que ela estava fazendo ontem às onze horas da noite na esquina da …”.

Além de apresentar mais alguns paradoxos, devemos aqui teorizar, inclusive para compreender melhor alguns dos paradoxos já apresentados. O que pode ser obtido com o conceito de contradição formal. O que não chega a ser novidade. O que define as contradições formais, em grandes linhas, é o fato de que eles não são paradoxos ou contradições pelo que contêm. As contradições formais devem ser organizadas ao lado dos discursos insignificantes. Os insignificantes assumem uma posição para dizer algo e o que dizem se resume a apenas dizer, sem conteúdo. A não ser pela forma, não dizem nada. As contradições formais até dizem alguma coisa, mas o que dizem são uma falsa pista, pois o que querem dizer é outra coisa. Muitas vezes dizem o contrário, pra quem souber ler. Esses paradoxos não são desafios à inteligência, inclusive à capacidade de matemáticos e filósofos, mas chamam, antes, a atenção para a relação entre a forma (a linguagem) e o conteúdo. No paradoxo das vacas holandesas de nordestinas de Tiririca, por exemplo, o que se espera é que uma pessoa separe metade das vacas pro algum motivo, por terem algo de especial, e se o autor as separa porque são exatamente iguais à outra metade, ficamos surpreendidos. Comparemos dois paradoxos na aparência bastante semelhantes. Um é o da chinesa que não pretende ir ao motel com seu amigo, e nem compreende nosso alfabeto, além de enxergar muito mal, e o outro paradoxo é o da moça que toma muitos cuidados para evitar filhos, além de que não tem relações sexuais de forma alguma, o que lhe permite ter tido apenas duas lindas filhas. A semelhança entre esses dois paradoxos é apenas superficial. Não desconfiamos da sinceridade da chinesa, tudo que ela diz é muito taxativo e não deixa margem a dúvidas, mas a moça apavorada com uma possível maternidade acabamos desconfiando, o que é confirmado pelo resultado.
Evidentemente, não pretendemos transformar esse texto em uma análise sofisticada e uma proposta de classificação dos paradoxos e adjacências. Inclusive, o leitor deve ter percebido que seria complicado separar os paradoxos formais dos paradoxos ou contradições estruturais.
Vamos imaginar o seguinte diálogo. Eu te amo, você é muito bonito, passo todos os dias pensando em você, além disso você é alto, atencioso, inteligente e tem uma ótima situação financeira. Bom, no começo só fiquei desconfiado, depois percebi que era gozação, que no fim virou ofensa. Mas, tudo bem. E muito obrigado por ter me lembrado das minhas dificuldades financeiras.
Esse outro diálogo me disseram ser de autoria de Juca Chaves. Uma das garotas diz: agora eu tenho andado com uns amigos que estudam na USP. A gente às vezes atravessa a madrugada no apartamento de um deles. Mas tudo é só amizade. Eu também tenho um grupo parecido. Mas são uns pequenos empresários que costumam bater papo em algum barzinho da Vila Madalena. Mas não vamos até tarde, porque todo mundo trabalha. E nós também só somos amigos. Aí a terceira amiga diz: eu também sou puta…
Há um livro, um bom livro, A alegria na Escola, de Georges Snyders, que é um elogio todo ele à escola como um espaço de experimentação da cultura como uma forma de prazer. Mas apenas para quem não lê com atenção. Na verdade, trata-se de um livro que combate a Escola Nova que, ela sim, acredita que a escola possa ser um espaço de alegria de todos os tipos, não só na dura escalada da cultura, a alegria de ver seus sacrifícios coroados por resultados, mas também nas relações de amizade e no recreio. Não só no fim de um caminho de sacrifícios, mas também em cada um dos passos dados durante. Como afirmo no livro O elogio da pedagogia.
Esse é um caso mais grosseiro. Mas sempre fica no ar alguma dúvida se Dom Quixote é realmente uma dura crítica à cultura, a todos os que sonham e que procuram transformar as utopias em realidade, ou se é também um momento de encantamento com as possibilidades e também com as delícias da fantasia.
Gunnar Myrdal nos relata ter lido um livro muito crítico sobre o capitalismo e o espírito liberal, com observações agudas e um posicionamento muito inteligente. Mas que de repente, lá pelo meio do livro, começou a desconfiar se de fato era uma crítica. E passou a ter certeza do contrário: não eram ironias, o livro de fato era dedicado a elogiar a sociedade como ela é hoje.
Quando lemos alguns livros, como as Reflexões sobre a Revolução francesa, de Edmund Burke, sabemos perfeitamente que se trata de um livro de elogios ao conservadorismo e até a algum tipo de liberalismo. Mas às vezes o elogio é tão descarado, irracional e exagerado, que, pelo menos visão do autor do presente livro, que tem ideias contrárias, ficamos procurando algo que justifique a dúvida: não seria tudo aquilo ali pura gozação?
O filme Os boinas verdes, norte-americano, está nessa categoria. Temos que nos lembrar sempre que ele foi produzido em outros tempos, e que então era possível de fato elogiar os norte-americanos capazes de matar pobres coreanos e norte-vietnamitas dedicados às suas plantações de arroz. Do contrário vamos assistir cada uma das cenas como uma crítica, e até como um tipo estranho de humor.
O livro O coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho, ao contrário dos Boinas Verdes e do exemplo dado por Myrdal, e mesmo das Reflexões… de Edmund Burke, é um paradoxo intencional entre forma e conteúdo. Ao contrário desses exemplos, não vemos um discurso tão estranho que nos deixa desconfiados de ser todo ele ironia, e nem ficamos, portanto, em busca de um sinal que o autor tenha deixado para que de repente a farsa se desfaça em riso. O livro todo conta a saga das valentias e sucessos do personagem, no entanto planta aqui e ali pistas para que o leitor perceba que tudo é mentira, que o que se pretende, de fato, é dizer o contrário: o personagem principal é de fato mentiroso, covarde e fracassado. Embora, um pouco por isso mesmo, extremamente simpático.
Um exemplo interessante de um discurso com pistas nós podemos coletar em meio a um grande número de músicas populares, a marchinha de carnaval que diz: “Zé Corneteiro, casado com um peixão, levou sua mulher pra visitar o batalhão. No outro dia, por ordem do major, o Zé foi promovido a corneteiro mor. Mor, mor, mor.” Antes de comentar, vou registrar que o compositor ou compositora dessa música é Lalá Araújo, que lançada em 1953, por Virgínia Lane, que parece ter sido amante de Getúlio Vargas, e que essa é uma das poucas músicas que eu me lembro que minha mãe cantava quando eu era criança, com pequenas diferenças na letra. Inclusive, não terminava com mor, mor, mor, e sim com rataplan, rataplan, rataplan. Em uma primeira visão, a mais ingênua, o Zé Corneteiro levou sua mulher ao batalhão apenas porque era bonita, e foi promovido porque mudou seu status, de um Zé Ninguém para marido de mulher bonita. Até, passando por diversas graduações, até a versão mais maliciosa, que revela, já em 1953, a prática de subir na carreira prostituindo a mulher. Em um blog na Interrnet alguém malicia o jogo de escravos da canção de roda “Escravos de Jó”, onde se tira, põe, tira, põe, deixa ficar. E aí no vemos claramente entre dois perigos, ser inocente demais ou ser malicioso demais.
Fez sucesso na copa da Argentina, em 1978, quando o técnico Zagallo disse que o Brasil foi o campeão moral, o achado: “a equipe brasileira de fato não fuma, não bebe, e não joga”.

Há dois exemplos parecidos com esse. Neles, como no caso do Zagallo, uma frase comum, quase popular, é posta em um contexto em que muda de significado. O humorista Chico Anísio disse mais ou menos que havia em alguma cidadezinha do nordeste uma pessoa que tinha um caminnhãozinho onde tinha escrito: “o mundo gira e pode girar, o que eu quero é rosetar”. Rosetá, mais precisamente. Houve uma reunião das pessoas respeitáveis, e lhe pediram amavelmente que apagasse aquele escrito que atentava contra a moral de muitos. Rosetar parece ter um significado obscuro e aparentemente pornográfico (a expressão parece vir de uma marcha carnavalesca gravada por Jorge Veiga: “Não importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar” Roseta é a peça da espora que tem as pontas para ferir o animal. Ele obedeceu, mas no lugar escreveu: “E continuo querendo”. Evidentemente, toda a cidade sabia que a frase se referia à outra, que tinha sido apagada. O outro caso me foi referido provavelmente no início da adolescência. Uma grande fábrica de caminhões lançou um motor a diesel que era um motor muito testado e aprovado mas que era a gasolina inicialmente. Uma outra fábrica, concorrente, lançou um motor, então, concebido desde o início para ser a diesel, ou seja, não era adaptado. E escreveu no parachoque dos seus caminhões: “o que é bom já nasce diesel”. A outra fábrica, por brincadeira, escreveu uma das frases mais conhecidas da sabedoria popular: “o que é bom dura pouco”.
Por coincidência, o mesmo Juca Chaves escreveu e cantou uma música onde se diz: “Lé com lé, cré com cré, um sapato em cada pé”. “Quem nasce pra Eusébio nunca chega a ser Pelé”. “Quem nasce pra lagartixa nunca chega a jacaré” (Embora oficialmente na música se diga que não se deve confundir crocodilo com jacaré”). Quem, a não ser no ambiente do humor e da música, seria capaz de defender filosofia tão retrógrada? Ela é lançada como humor, mas desconfiamos que a intenção pode ter sido outra. Ou seja, o que temos aqui é o contrário dos exemplos anteriores, o discurso se apresenta como paródia, ironia, mas desconfiamos de que de fato o conteúdo corresponde às crenças do autor, que pretende, embora envergonhado, lançar a sua semente.

Falácias e oxímoros. Estudei no seminário franciscano São Fidélis de Piracicaba, no Estado de São Paulo, em 1963 e 1964, portanto aos 11 e 12 anos de idade. Não sei em que data em um destes dois anos fomos chamados ao teatro, dentro do próprio prédio, para ouvir uma palestra. Eu me lembro de um senhor baixinho, meio gordo. Ele me pareceu ágil, embora, pelos cabelos grisalhos, não parecesse muito jovem. Ele dizia se chamar Malba Tahan, um sábio persa especializado em falácias matemáticas e em contar histórias nas quais a matemática e o clima do Oriente Médio se misturavam. Parecia uma brincadeira, já que Malba Tahan, em seus próprios livros, parecia um personagem de outros tempos, mais próximo das Mil e Uma Noites do que dos dias de hoje. Muitos anos depois fiquei sabendo que provavelmente tive o privilégio de conhecer o verdadeiro Malba Tahan, cujo nome completo seria Ali Yezzid Izz-Edin ibn-Salim Hanak Malba Tahan, ou seja, conheci de fato Júlio César de Mello e Souza (Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 – Recife, 18 de junho de 1974), que inventou este personagem. Fica aqui a sugestão para que o leitor, caso já não conheça, leia suas obras, uma referência deste tema, falácias e demonstrações de inteligência.
Ainda que rejeitando por enquanto uma proposta de delimitação mais rigorosa, não se sustenta a posição de que se deva admitir que tudo é paradoxo. Assim vamos rejeitar os casos em que a solução não chega a abrir uma discussão, não desdobrando defensores de diversas possibilidades (partidos), inclusive defensores da impossibilidade de solução.
Entre os candidatos que vamos rejeitar estão os casos mais evidentes, as simples contradições; confundir estes casos com os paradoxos constitui o erro mais primário. Os oxímoros, do tipo “feliz infelicidade”, “de repente no Maracanã se fez um silêncio ensurdecedor”. No Brasil há diversas expressões nessa linha, e que têm essa estrutura, embora algumas apresentema mesmice e outras a contradição; golpe do João sem braço, sopa de minhoca, ,mamãocom açúcar, empurrar bêbado na descida, amarrar cachorro c om linguiça, a volta dosquenão foram, entre morots e feridos salvaram-se todos, trocar seis por meia dúzia, clássico é clássico e vice-versa. E vamos rejeitar também, não vamos considerar como paradoxos, contradições simples, tais como as belas oposições do Sermão da Montanha, do Evangelho de Mateus, candidato sério a maior texto já produzido pela humanidade, onde os mansos herdarão a terra, a pequena semente de mostarda germina para se tornar a maior das hortaliças. Ou o conhecido: “Todos os animais são iguais, só que alguns são mais iguais do que os outros” de Orwell em The animal farm. Na literatura de Língua Portuguesa pode ser encontrada uma longa tradição, que só ela encheria páginas e páginas, desde Camões, que afirmou que “o amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer” (Lírica, apresentação de Massaud Moisés, São Paulo, Cultrix, 2008, p. 123), até Vinicius de Moraes: “Eu possa me dizer do amor (que tive): que não seja imortal, posto que é chama, mas que deve ser infinito enquanto dure” (em Antologia Poética, Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, na página 96).
Ainda na cultura popular, há oximoros mais sutis. Tomemos uma listagem: as piores coisas do mundo são cerveja quente, boi doente, mulher da gente, e as melhores coisas do mundo são cerveja gelada, boi na invernada, mulher pelada. O boi dá um toque caipira. O oximoro se deve a que a cerveja quente substitui o que seria óbvio, a cerveja gelada. Cerveja e quente se opõem. O boi é o símbolo da força e da saúde. São três pares que se opõem que em seguida são substituídos por três pares que se casam muito bem.

Vamos apresentar então os já anunciados dois exemplos típicos de falácia. Sei que alguns leitores se aborrecem um pouco quando se trata de contas aritméticas, portanto preferi deixar as explicações mais trabalhosas entre colchetes. São as duas histórias, que me parecem populares, e que inclusive são relatadas por Hayden e Picard: a história dos três viajantes e da menina que vendeu maçãs a pedido do seu pai.
No primeiro, três viajantes se hospedam em um hotel, ou almoçam em um restaurante, pagam dez moedas cada um e vão embora. O dono do hotel, ao saber que já se foram e que pagaram dez moedas cada um, fica indignado. Não, eles são meus amigos, eles mereceriam um desconto. Chama um dos empregados e pede que lhes devolva cinco moedas. O empregado, no caminho, pensa nas dificuldades de devolver cinco moedas para três pessoas. Assim, fica com duas para si e devolve uma para cada um. Resultado, como cada um acabou pagando nove moedas, pagaram, juntos os três, vinte e sete moedas. Vinte e sete, mais as duas moedas que ficaram com o empregado, são vinte e nove moedas. Uma sumiu. Eu me lembro de já ter ouvido esta história talvez ainda na infância, terminando com esta observação moralista sobre desonestidade: talvez a matemática tenha punido a desonestidade.
[Trata-se de uma falácia porque fazemos a conta errada, atraindo o ouvinte para uma armadilha. Há duas contas corretas. Uma, mais simples, consiste em somar 27 – que é o quanto eles pagaram no total – com os 3 que lhe foram devolvidos, e não com os 2 que ficaram com o empregado: 27+3=30 e não 27+2=29. Este é o procedimento correto porque estas 27 pagas já incluem o pagamento dos 25 da hospedagem mais as 2 moedas que ficaram com o empregado desonesto. Se somarmos as 27moedas com as 2 do empregado, estas duas moedas estarão sendo somadas duas vezes, 25+2+2=29 e nenhuma vez as 3 moedas que voltaram para as mãos dos viajantes, 25+2+3=30. O resultado é 30, corrigindo este equívoco, como deveria ser. A outra conta lembra que para o dono do hotel eles não deram 9 moedas cada, e sim um terço de 25, que é oito vírgula trinta e três (8,33). Este valor vezes 3 dá 25. Mais os dois do empregado, vinte e sete, mais os três que lhes foram devolvidos, trinta: 8,33×3+2+3=30]
A outra história é da menina que vende maçãs para o pai. Recebe 30 maçãs grandes que deve vender por 1 moeda cada 3 maçãs, totalizando portanto 10 moedas. E também 30 maçãs pequenas, que deve vender cada 5 por 1 moeda, totalizando portanto 6 moedas. Se ela vendesse todas as maçãs, deveria entregar ao pai 10+6=16 moedas. Mas, quando o pai retorna, ela tinha vendido todas as maçãs e apresenta para ele apenas 15 moedas, uma sumiu. No entanto ela pensava ter feito as contas corretamente. Ela conta ao pai que apareceu uma compradora que quis comprar todas as maçãs. Como o preço médio era de 4 maçãs por uma moeda, ela vendeu todas por este preço, e assim 60 maçãs foram vendidas por 15 moedas: 60÷4=15.
[Aqui não há espaço para uma análise mais detida deste paradoxo muito interessante. Mas registro a minha opinião, para discussão, de que os autores Hayden e Picard dão uma solução equivocada ao problema. A média correta é 4, mas apenas para cada grupo de 8 maçãs, 3 grandes e 5 pequenas. Este grupo rende 1 moeda pelas 3 grandes mais 1 moeda pelas 5 pequenas, 1+1=2, ou, pela média, 8÷4=2. Assim, se houvesse 80 maçãs, por exemplo, 30 grandes e 50 pequenas, o preço de todas seria de 20 moedas, 30÷3=10 e 50÷5=10; não faltaria moeda alguma: 10+10=20 ou 80÷4=20. Mas, havendo 30 maçãs grandes e 30 maçãs pequenas, 60 maçãs no total, devemos, primeiro, formar os grupos de 8 maçãs – compostos como indicamos logo atrás por 3 grandes e 5 pequenas –, porque este conjunto permite o uso da média, o que resulta em 6 grupos de 8 maçãs cada, compostos por 3 grandes e 5 pequenas cada grupo, que renderiam cada grupo 2 moedas e que no todo renderiam 12 moedas (6×2=12), ou, calculando pelo todo, como temos 18 maçãs grandes e 30 pequenas, compondo um total de 48 maçãs, elas renderiam 6+6=12, ou seja, 18÷3=6 mais 30÷5=6, o que totaliza 12 moedas. Separados então estes grupos nos quais funciona a média, temos 48 maçãs, 18 grandes e 30 pequenas, 6×3=18 e 6×5=30, 18+30=48, 60-48=12, sobram 12 maçãs, todas grandes e nenhuma pequena, 30–18=12, e 30–30=0. Repetindo, sobram 12, pois se dividirmos todas as maçãs em grupos de 8, sendo 3 grandes e 5 pequenas, conseguimos utilizar 48 maçãs, e feita esta divisão não sobra nenhuma maçã pequena e sobram 12 maçãs grandes. Estas 12 maçãs grandes deveriam ser vendidas por 1 moeda cada 3, o que renderia 4 moedas, mas como foram vendidas por 4 maçãs por moeda, renderam 3 moedas, 1 moeda a menos, e aí está a diferença. Neste grupo composto apenas de maçãs grandes não se pode utilizar a média. A compradora, no fim, acabou comprando por estas 12 maçãs pelo preço de 1 moeda por cada 4 maçãs, sendo que o correto teria sido comprar com 1 moeda apenas 3 maçãs. O erro da solução proposta pelos autores foi não terem feito qualquer referência ao total de maçãs, como se o problema da média se resolvesse apenas comparando duas maçãs, uma pequena e uma grande. O raciocínio dos autores toma outro rumo, o fato de que as maçãs grandes valem 1/3 de moeda e as maçãs pequenas valem
1/5 de moeda. E de que a média entre 1/3 e 1/5 não é 1/4, é 4/15, que é maior do que 4/16. O leitor pode fazer os cálculos desta forma; no entanto, na minha opinião, este rumo evita equivocadamente a questão fundamental, que é a média, que passa pelo (para fazer sentido exige que se mencione o) total de maçãs. A conta que os autores fazem, de comparar as maçãs uma a uma, só funciona porque o número de maçãs grandes e pequenas é igual,
30 de cada uma, mas os autores não destacam, como deveriam, este fato. Os autores erram em não mostrar a armadilha, e a genialidade da história: como o conjunto de todas as maçãs é formado por quantidades iguais de maçãs grandes e pequenas, 30 de cada uma, a menina se viu encorajada a fazer a média, equiparando as maçãs duas a duas, uma grande e uma pequena. Um erro porque a média somente deve ser calculada, funciona, se houver um múltiplo – o mesmo – de 3 para as maçãs grandes e de 5 para as maçãs pequenas, por exemplo, 30 maçãs grandes e 50 maçãs pequenas, em que o multiplicador é 10. Tão genial que os próprios autores do livro caíram na armadilha, e propõem uma solução que deixa de lado o mais importante, que é a necessidade de que, para que se utilizasse a média, o conjunto todo fosse um múltiplo de 8 maçãs, um conjunto composto por diversos grupos de 8 maçãs, 3 grandes e 5 pequenas]
A definição mais óbvia e intuitiva de paradoxo é de que ele somente se configura se nenhuma das possibilidades em conflito for absolutamente superior às demais, ou seja, se não houver solução final. No entanto, outra definição, que tem suas vantagens operacionais, é de que, para ser paradoxo, o problema proposto não teria a exigência de apresentar uma dificuldade absolutamente definitiva. Basta que haja uma dificuldade razoável, que justifique uma parada que obrigue o ouvinte a se deter para resolver o problema. O problema pode ter solução, mas ninguém deve poder negar que envolve dificuldades. Assim, principalmente a história da menina que vende maçãs é um paradoxo, de acordo com esta definição, ou, pelo menos, deve constar sempre em uma discussão sobre paradoxos.
Um professor, colega meu na Universidade Cruzeiro do Sul, propunha uma falácia interessante: por um lado, todas as pessoas morrem, é o que dizem, mas por outro lado, como é possível, se isto for verdade, que não haja, e não há, não se encontra, uma única pessoa que tenha morrido? Só podemos afirmar que a morte existe se encontrarmos pelo menos uma pessoa que tenha morrido. Qualquer pesquisador na academia sabe que não podemos afirmar qualquer ocorrência se não encontrarmos um exemplar. Pelo menos um. Eu nunca encontrei. Conclusão, a primeira afirmação não é verdadeira, a morte é uma ficção. Se nos dedicássemos a lhe dar razão, deveríamos acrescentar uma linha de argumentos. Qualquer pessoa está viva, nunca está morta. Se alguém está agonizando, está vivo, tanto quanto um recém nascido saudável. E se está morta, não está, não é ela, não se pode dizer propriamente que ela está morta. Ninguém está morrendo, pode estar agonizando, e sempre há uma possibilidade de se curar. Mas, se estamos mortos não estamos, nem mesmo somos.
O já citado Eubúlides compôs outros paradoxos, sendo que um deles se parece com o anterior. Uma pessoa que perdeu os chifres tem chifres? Não. Você perdeu os chifres? Não. Então você tem chifres. Que tem praticamente a mesma estrutura do diálogo de Ricardo III, de Shakespeare (“ANNE. Villain, thou knowest nor law of God nor man: No beast so fierce but knows some touch of pity. GLOUCESTER. But I know none, and therefore am no beast”): “Não há uma besta tão feroz que não tenha um toque de piedade. Mas eu não tenho nenhuma, portanto eu não sou uma besta”.
No Brasil, pelo menos, é muito popular a pergunta “qual era a cor do cavalo branco de Napoleão”, que é uma pergunta capciosa, embora não muito; parece merecer o rótulo de falácia, ainda que propositalmente fraquíssima, porque induz o ouvinte a não prestar atenção ao adjetivo branco. Ou: qual foi a solução encontrada por Moisés para evitar que os animais se comessem uns aos outros, quando estivessem todos trancados dentro da arca? Aqui a frase deve ser construída de forma que Moisés fique longe da palavra arca dentro da frase. E um problema colossal deve distrair o ouvinte de um problema tão bobo quanto ao nome do profeta, se Moisés, Noé ou Abraão.
A famosa prova da existência de Deus de Santo Anselmo é muitas vezes apresentada como uma poderosa falácia. Não é o que eu penso. A sua prova poderia ser exposta da seguinte forma. Suponhamos que existam dois deuses, A e B. A é boníssimo, perfeitíssimo, belíssimo. E B também é boníssimo, perfeitíssimo, belíssimo. No entanto, A existe, e B não existe. Qual dos dois é Deus? Resposta: A, porque a não existência é uma imperfeição, e Deus não pode ser imperfeito.
Um indivíduo foi condenado à morte. O juiz, para que ele não deixasse de sofrer ao extremo a angústia da execução, ordenou que ele deveria ser executado às nove da manhã de um dia qualquer, nos próximos sete dias, mas que deveria ficar sabendo apenas uma hora antes. O condenado afirmou que o juiz tinha dado uma ordem de execução paradoxal. E se ele seria libertado se provasse sua afirmação. Como o juiz confirmou, ele disse o seguinte. No último dia, digamos no domingo, se ele não tivesse sido executado até sábado, ele não sofreria mais com a incerteza, porque só poderia ser executado no próximo dia. Assim a incerteza só era válida para seis, e não sete dias. Mas se a sentença fosse corrigida, e constasse seis dias, em vez de sete, o erro se repetiria, e na sexta ele já saberia o dia da execução. E assim sucessivamente.
A mesma estrutura se repete em um ambiente menos dramático. A namorada diz para o namorado. Então, vamos fazer uma experiência, vamos nos encontrar cinco vezes. Mas, desde já, eu te digo que a última vez seria muito triste, porque desde o começo nós saberíamos que seria uma despedida. Então, vamos cancelar a última, e vamos nos encontrar só quatro vezes.
Ou, quase igual. Eu lhe prometo que vou lhe fazer uma visita nas próximas duas semanas, de surpresa. Pode ter certeza de que em um desses catorze dias eu de repente vou estar de volta.

Circulam muitas perguntas que induzem a erro. E parecem ser muito populares. Vou mencionar apenas uma, que é de minha autoria. Um namorado que não gostava de tomar banho prometeu à namorada que24 tomaria banho todos os dias do ano. Quantos banhos ele deveria tomar, no mínimo, para cumprir sua promessa? Evidentemente, se fosse um peixe, bastaria um banho, ou seja, poderia passar o ano todo debaixo do chuveiro ou na banheira. Mas, como não gostava de banhos e esta duração excede o bom senso, vamos deixar esta solução de lado. Qual a duração razoável de um banho? Digamos que seja algo entre dois minutos e uma hora. Mas podemos nos fixar em torno de dez minutos. Se escolhermos algo entre estes extremos, ou melhor, desde que não se trate de um banho com duração maior do que 24 horas, os nossos cálculos permanecerão válidos. E convenhamos que cada dia do ano começa sempre às zero horas e termina à meia-noite. Assim ele poderia tomar um banho a cada dois dias, começando cinco minutos, ou mesmo um minuto, antes da meia-noite e terminando o banho cinco minutos depois, já no dia seguinte. Com este estratagema nosso personagem consegue com um só banho cobrir dois dias. O resultado, por isso, é a metade de 365, “182,5”, sendo que este meio banho se refere ao banho que ele deve tomar pela metade, digamos no último dia do ano. Ou que terminamos de tomar no primeiro dia do ano. Isto porque o ano tem um número ímpar de dias. Mas se considerarmos este meio banho como um, já que meio banho não faz sentido, a resposta é arredondada para 183. Que então passa a ser a resposta correta, para anos bissextos ou não. São necessários 183 banhos, em hipótese alguma são necessários mais do que isto, e somente é possível tomar menos banhos se pelo menos um dos banhos durar mais do que 24 horas.

E para concluir nossas reflexões preliminares sobre os paradoxos, passo a apresentar alguns que eu mesmo compus. Espero que sirvam como incentivo para que o leitor colete ou produza também os seus.

O primeiro, que compus há muitos anos, é o paradoxo dos perdedores inveterados.
Houve uma corrida de cavalos. Ao fim, todos se retiraram, e um dos apostadores, provavelmente viciado em apostas, estava com a cabeça abaixada, entre as mãos, e murmurava: “Eu sou o homem mais azarado do mundo”. Outro dos retardatários, também aborrecido, se aproximou dele e lhe disse: “Não, você está enganado, eu sou o homem mais azarado do mundo”. Não se sabe exatamente o que passou pela cabeça do primeiro, talvez tenha pensado: ah, deste talvez eu consiga ganhar. Ou, se não, pelo menos eu vou lhe dar a alegria de ganhar pela primeira vez. Como? E quase juntos, disseram: então vamos apostar. Vamos apostar quem é o maior perdedor, o maior azarado do mundo. Pode ser em uma próxima corrida, de dez cavalos. Um de nós escolhe cinco, o outro cinco, e um dos dois certamente vai perder e o outro vai ganhar. Ou mesmo já, deixando os cavalos de lado, no par ou ímpar. Deve-se anotar que há um limite. Um azarado que escolher mais de metade dos cavalos, e perder sempre, começa a se aproximar da sorte, a ponto de que se ele escolher nove em dez, e todos perderem, sempre, isto é o mesmo que ter sorte, na prática. Bom, mas nada disto é propriamente um paradoxo, ele só surge a seguir: na forma de uma dúvida, pois aquele que perder, na corrida de cavalos ou no par ou ímpar, é o perdedor ou o vencedor? Conclusão, é impossível apostar quem é o mais azarado, porque o perdedor é o vencedor, ou vice-versa. Em geral, em relação a todos os perdedores do mundo, em se tratando de uma competição, não tem cabimento afirmar que é impossível que alguém fique em último lugar. Se há uma classificação, um está em último lugar. Mas esta lista não pode ser enunciada, ou seja, ela tem de existir, a lógica exige, mas ela não pode ser enunciada, porque no momento em que ela aparece e pode ser lida em um painel, o último lugar se torna o campeão dos perdedores, e não é mais um perdedor, de forma alguma. Ora, isto é paradoxal, por um lado não se concebe que seja impossível fazer uma listagem dos perdedores e olhar para o fim, identificando o último, e por outro o fato de que, embora esta lista seja possível, ela não pode ser enunciada. Este paradoxo não é exatamente o mesmo dos perdedores, pois aquele dizia ser impossível ser feita uma aposta para saber quem é o verdadeiro perdedor, e lá não surgia o conceito de enunciação. Temos, pois, dois paradoxos dentro de um só.

O segundo paradoxo é um adendo ao paradoxo de P. E. B. Jourdain, que em 1913 (Britânica de 1973, Macropédia, vol. 13, p. 356) teria proposto uma carta de baralho que diz, de um lado: “A frase do outro lado é falsa”, e que tem do outro lado, da mesma carta: “a frase do outro lado é verdadeira”. O adendo que eu proponho é outra carta de baralho, onde esteja escrito dos dois lados a mesma frase: “A frase do outro lado é falsa”. Comentário: se uma frase diz que a outra frase é falsa, supondo que uma delas seja verdadeira, a outra é falsa, de fato. Se a outra é falsa, e diz que a atual frase é falsa, então a frase atual é verdadeira. E não parece haver paradoxo algum, pois uma frase ficou sendo falsa e a outra verdadeira. Mas há um problema: as duas frases são iguais. E não parece possível afirmar que duas frases possam ser iguais e ao mesmo tempo uma falsa e a outra verdadeira. Se você me disser que uma delas é falsa e a outra verdadeira, e eu guardo a carta no bolso e a tiro de novo, não há como distinguir qual das duas frases é (era) falsa e qual é verdadeira.

O terceiro é o paradoxo do mineiro (nascido no Estado de Minas Gerais) fanático por queijo. Ele estava mexendo em seus bolsos e encontrou cinco reais. E pensou: se eu tivesse encontrado esta nota ontem, eu teria comprado meio quilo de queijo. Que pena, eu estava com muita vontade, e não consegui achar dinheiro algum. Bom, mas pensando por outro ângulo, foi bom, porque se eu a tivesse encontrado, já teria comido certamente todo o queijo, que já teria acabado. E agora, como eu não comprei queijo algum, nem comi, eu posso comprar e comer, hoje, neste exato momento. No entanto, pensando um pouco mais, se foi bom não ter encontrado a nota ontem, e por isso foi bom não ter comprado e comido o queijo, não há porque pensar que hoje seria diferente. Ou, o que teria sido ruim ontem certamente será ruim também hoje, e o melhor seria não comprar o queijo nunca, e deixar a nota de cinco reais para comprar amanhã, sempre amanhã. Indefinidamente, e assim a nota acaba se revelando algo muito melhor do que o queijo, o que, para um mineiro, mesmo que sovina, é insustentável.

O quarto paradoxo é a disputa para saber quem é o mais humilde, e é uma paráfrase de um trecho dos Fioretti de São Francisco de Assis. Na versão original, São Francisco e Frei Leão estão voltando para casa. São Francisco pergunta diversas vezes a Frei Leão o que os faria mais felizes. E sempre eram coisas muito desagradáveis, que eles fariam por amor de Deus. Frio, desaprovação, humilhação, fracasso. Em nossa versão, paradoxal, São Francisco estaria com Frei Leão – pode ser na mesma situação – voltando para casa. E São Francisco, no seu permanente desejo de louvar a Deus, teria dito: “Frei Leão, estou muito feliz porque Deus me permitiu estar neste momento com a pessoa mais humilde de Assis”. Frei Leão com certeza se sentiria constrangido por receber um elogio destes, do Santo de Assis, e deveria retrucar, que não, que a pessoa mais humilde de Assis com certeza seria São Francisco. Mas não poderia fazê-lo, porque com certeza o mais humilde ficaria engrandecido diante de Deus, tornando o outro de fato o mais humilde. Dizer que o mais humilde era outro seria um ardil muito evidente e soaria como uma ironia. Este paradoxo é muito parecido com aquele dos dois apostadores azarados. Inclusive, fica no ar a pergunta “quais são as disputas paradoxais?”; azarado ou perdedor, humilde, e só, ou existem outras? A ideia de que sejam apenas estas duas parece insustentável. É curioso que em determinado sentido este paradoxo é mais verdadeiro do que o outro, dos perdedores; Frei Leão fica em uma situação realmente paradoxal; se ele aceita o elogio, isto é um absurdo, porque muito mais humilde do que ele é São Francisco de Assis, mas se não aceita entra em uma disputa desagradável e completamente fora de lugar entre dois frades sem dúvida humilíssimos. Qual resposta Frei Leão poderia dar? Poderia dizer, por exemplo: “Não, as pessoas mais humildes de Assis são aquelas que não receberam de Deus a graça da vida religiosa, as que não têm um lar e passam fome”. Provavelmente a grande diferença entre este paradoxo e aquele dos perdedores inveterados é que aqui é impossível ficar em silêncio, e naquele é possível não aceitar a aposta.

O quinto paradoxo proposto por este autor tem uma estrutura muito parecida com a estrutura do paradoxo proposto por Sade a respeito do adultério. Trata-se da proposta da injustiça fabricada artificialmente para dignificar os habitantes de uma utopia sem injustiça. Eu, como socialista, sinto indignação diante da injustiça. E por isso defendo e sonho com um mundo sem injustiça. Mas eu sei que a experiência da indignação é essencial à formação do socialista. No futuro, como os socialistas poderão se dignificar, se não houver injustiça? Não ficaria assim o mundo melhor e as pessoas piores? Não creio que venha a ser a mesma coisa sentir indignação apenas lendo jornais velhos e assistindo a filmes históricos. Chegaríamos ao absurdo de desejar que no futuro, para dignificar bilhões de habitantes do mundo todo pudesse haver pelo menos uma pessoa injusta e uma pessoa injustiçada, uma vítima que com seu sacrifício dignificaria bilhões? Mas todos sabem que se for fabricada uma injustiça, mesmo que real – e é lógico que a vítima da injustiça deveria ser voluntária, não podemos desejar outra coisa –, ela não teria qualquer efeito, e não traria indignação por si mesma, e ficaríamos indignados sim é se alguém fizesse esta proposta absurda, de fabricar uma injustiça artificial para a dignificação e sensibilização dos seres humanos.

Vamos deixar para outro momento a discussão se o próximo paradoxo, da utopia do casamento, é o mesmo, apenas com personagens trocados, desse, do socialismo. Parecido também com o paradoxo do adultério de Sade. Eu vou me casar com uma mulher maravilhosa. Poucas mulheres há no mundo, com certeza, superiores a ela. O problema não é esse, e sim que estou renunciando a muita mulher. Só na China deve ter mais de um bilhão. Quando vi um programa geográfico mostrando uma chinesa pobre na Mongólia, tive vontade de gastar minhas economias com uma passagem de avião para ficar perto dela. Mas a grande maioria dessas mulheres exigiriam, para aceitar se relacionarem comigo, que eu me casasse com elas. E aí eu ficaria na situação em que eu estou agora. A não ser que eu julgue que é melhor ter a abertura e a possibilidade de todas elas, indefinidamente, do que renunciar a todas menos uma. Por essa razão talvez, por outro lado, o melhor seja eu me casar logo com a minha noiva e parar de pensar bobagens.

O sexto paradoxo, do Íbis Futebol Clube, à primeira vista, é apenas um exemplo do primeiro, da aposta de qual é o maior perdedor do mundo. Mas tem desdobramentos muito diferentes. O Íbis Futebol Clube já foi, tido como o pior time do mundo. Suponhamos, então, que o futebol pernambucanos esteja mal, a ponto de que a única equipe do estado que tenha alguma publicidade, inclusive publicidade paga, seja o Íbis. Assim surge a inveja de outra equipe, por exemplo daquela que sempre ocupa a penúltima posição nos campeonatos. Podemos imaginar um jogo em que o penúltimo time tenta perder para o Íbis, mas percebe que não adianta fazer corpo mole para se defender porque o Íbis também faz corpo mole para atacar, e não adianta não querer atacar, porque o adversário não se defende. Em vista dessas dificuldades, resolve atacar o próprio gol, mas quem se defende o seu gol de seu horrível ataque é o time adversário. Ou seja, um time tenta marcar gols em si mesmo, e para que isso não aconteça o time adversário é que se vê obrigado a defender o seu gol, em vez de ataca-lo. Tudo invertido. Enfim, aos poucos, todos os times de Pernambuco têm o desejo de alcançar o almejado posto, de disputar a posição de pior time do estado e provavelmente do Brasil e do mundo. E então começam a acontecer jogos em que uma equipe apenas tenta fazer gols no próprio gol, e passa a defender o gol adversário. O grande problema é que no início de cada tempo e depois de cada gol, pelas regras do futebol, a bola é solta no meio de campo pela equipe que sofreu o gol. E se uma equipe pretende chutar contra o próprio gol, a equipe adversária vai ter muita dificuldade para impedir. E assim teríamos estranhas partidas, em que em cada um dos dois tempos uma equipe procura chutar rapidamente contra o próprio gol para fazer o maior número de gols que for possível, porque sabe que na outra metade a outra equipe também vai fazer o maior número de gols que for possível, e que vai ser muito difícil chegar a tempo para impedir. Mas, mesmo assim estranho, é bem provável que a equipe que vai terminar o campeonado em último lugar passe a ser exatamente aquela que joga melhor, e que a pior equipe acabe ficando em primeiro lugar.

O sétimo paradoxo: o amor no espelho. Alguns dos paradoxos que acabamos de apresentar nascem da figura de um espelho na frente de outro espelho. O clássico de Epimênides, os paradoxos das cartas de baralho que se referem à outra face, o de Jourdain e a variante proposta por este autor.
Hegel, no livro Fenomenologia do Espírito, utiliza a expressão “se reconhece na Introdução o reconhecendo”. Para explicar essa figura podemos imaginar que um ser vivo qualquer, por exemplo, um macaco, um macaquinho, está em uma idade em que ainda não percebeu que no mundo há objetos de diversos tipos, e que ele mesmo é de uma espécie que tem outros exemplares, o que significa que ele pode a qualquer momento se encontrar com outros, outros macacos como ele. O que podemos radicalizar imaginando que ele vive sozinho, até aquela data, sem qualquer outro macaco por perto. Um dia ele é levado para um grupo, e de longe percebe algo diferente, algo muito perturbador, que faz com que estes objetos diante dele sejam de uma categoria completamente diferente dos outros objetos. Mas ainda não percebe com clareza do que se trata; em uma sensação de estranheza muito vaga. E então é levado para brincar com um macaquinho de idade próxima à sua. Então, ao se aproximar, outro macaquinho percebe sua presença e olha para ele. Então se reconhece no outro o reconhecendo. Frase que significa muito mais do que o fato de que os olhares se cruzam. A verdade não está nos objetos exteriores, no outro, não está em mim, então ele está nesta relação espelhada, eu e o outro só podemos nos reconhecer na reciprocidade (p. 157). Jorge Luis Borges, em História universal da infâmia, p. 73, nos dá a sua versão de um dos contos das Mil e uma noites (ele diz que se trata do conto 351, mas a numeração varia entre as diversas versões; no Wikipedia consta como conto 352), conta que no Cairo havia um homem antes rico e que agora trabalhava com as próprias mãos, caiu no sono perto de sua figueira, e teve um sonho em que um homem gordo tirou uma moeda de ouro da boca e lhe disse que ele deveria ir para Isfahan, na Pérsia, que ali ele encontraria sua fortuna. Ele fez a longa viagem com grande sacrifício. Em Isfahan foi dormir no pátio de uma mesquita, mas naquela noite houve um assalto e ele foi preso como suspeito. Apanhou tanto que quase morreu. Dois dias depois, quando recobrou os sentidos, foi interrogado pelo capitão e lhe contou sobre o sonho. O capitão riu muito e disse que ele mesmo já tinha sonhado três vezes com um tesouro que havia na cidade do Cairo em uma casa onde havia um jardim e no jardim um relógio de sol, e uma fonte, e debaixo da fonte um tesouro. Não dei o menor crédito a este sonho, enquanto você, filho de uma mula com um demônio, errou de cidade em cidade, guiado apenas pela fé do teu sonho. E o despediu com umas moedas para a viagem. Como ele reconheceu a sua casa no sonho do capitão, voltou ao Cairo e desenterrou o tesouro. Baudrillard, em Da sedução, nos fornece outra figura, complexamente diferente, mas com relações perturbadoras com a que acabamos de relatar. Um cavaleiro andava pelo mercado quando seu olhar cruzou com o de uma jovem. Ele ficou perturbado, pois reconheceu nela a morte. Foi então ao rei e lhe pediu o melhor dos cavalos para viajar o mais rápido possível para o lugar mais longe, Samarkande. Apesar de contrariado por perder o melhor de seus cavalheiros o rei cedeu. Mas mandou procurar a moça do mercado para tirar satisfações. A moça lhe respondeu que não pretendia assustar o jovem, apenas tinha ela também se surpreendido com ele, porque pensou, como será que ele vai conseguir se encontrar comigo amanhã ao meio dia no centro de Samarkande? O que tem a ver esta história com os espelhos? Pouco, aqui se trata de uma linha complicada, mas aqui como lá o fim é exatamente o ponto de partida.
Duas pessoas não só gostam uma da outra, mas cada uma sabe que a outra retribui, na mesma medida. Em um determinado momento, digamos, surge um objeto que não só é desejado por ambas, mas cuja falta traz bastante prejuízo à outra. Digamos que estão em um lugar frio e há apenas um cobertor ou casaco. Se uma delas quiser que o casaco fique com a outra, está desconhecendo que a outra se preocupa também, tanto como ela, com o seu bem-estar. Além disso, dar o casaco à outra significa ficar com algo que vale muito mais do que um casaco: o altruísmo. Assim, ela dá o casaco à outra mas fica com o melhor, e prova que na verdade se preocupa é consigo mesmo. Evidentemente, poderia ficar com o casaco e deixar a outra com frio, mas assim estaria sendo egoísta, e certamente a outra deseja tudo para ela, menos que seja egoísta.
Observação: Pelo menos o paradoxo exposto páginas atrás, sobre o último biscoito do pacote, que deveria ficar naquela posição por sua proximidade com o paradoxo da máquina do tempo, é também da autoria do autor deste livro.

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Utopia e Federação

lugar de encontro para simpatizantes, ou antipatizantes, da ideologia utópica e da federação

vamos dividir o contato em alguns pontos:

grupo do bem: a ideia do bem, fundamental para a utopia, embora admita algum debate, ao fim vai apresentar consenso em torno da grande maioria das afirmações, tais como a preocupação com o sofrimento, alteridade, sustentabilidade, vegetarianismo, socialismo, não-violência, tolerância, federação e liberdade, estado de direito, não a todo tipo de droga inclusive álcool e cigarro, valorização da cultura, condenação a todo tipo de preconceito; rejeição do aborto, pena de morte, descriminalização de todo tipo de droga, estupro, pedofilia.

movimento utópico: aproximar as pessoas que têm sintonia com as ideias utópicas, fundamentalmente a valorização da cultura, o socialismo, não violência, vida comunitária.

partido utópico: aproximar pessoas interessadas em fundar futuramente um partido utópico, cuja ideia central é transformar a sociedade para viver plenamente a cultura. Mas que acrescenta, no momento, a discutir, o projeto de desmontagem do capitalismo, federação de ideologias, opção absoluta pelos pobres.

vida comunitária: pessoas interessadas em discutir a teoria e a possibilidade efetiva de viver em comunidade ou federação (casas separadas, com independência a não ser em alguns pontos a discutir).

disponibilização de todo tipo de material direta ou indiretamente relacionado com utopia, inclusive contra

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